O que mudou em 2010
Como em todo ano, muita coisa aconteceu em 2010. O noticiário manteve-se regularmente repleto de tragédias naturais (terremoto no Haiti, enchentes no Brasil e no Paquistão etc), dificuldades econômicas (especialmente na Europa), disputas políticas (Brasil, Grã-Bretanha, Estados Unidos) ou eventos esportivos. Mas há notícias que vão além do fato em si, suas consequências permanecem, na forma de possibilidades para o futuro ou uma realiadade completamente nova. Nesse aspecto, 2010 nos mostrou caminhos e ajudou a mudar o futuro por meio de alguns de seus acontecimentos. Abaixo, os principais.
Distribuição de poder no FMI. A transferência de poder, econômico e político, das potências ocidentais para nações emergentes, é um processo que ocorre há alguns anos. A transformação da China em potência capitalista, o fim do comunismo do Leste Europeu, o controle da inflação pela América Latina e a pacificação de grande parte da África deram condições para isso. A crise financeira de 2008 acelerou o processo, e a concessão de mais poderes aos emergentes dentro do Fundo Monetário Internacional, confirmada por ministros das Finanças do G20 em outubro, selou a mudança. Trata-se da virada de uma página dentro da distribuição de forças no gerenciamento da economia mundial. Novas mudanças devem vir nos próximos anos, possivelmente de forma mais rápida. O poder econômico global já não é mais o mesmo.
Acordo sobre o clima. Quando, em 2009, o mundo se reuniu em Copenhague para tentar buscar soluções para os desafios das mudanças climáticas, especialistas diziam que, se não houvesse acordo, o mundo estaria perdido. Quanto mais catastrofistas eram as previsões, mais parecia que os representantes dos diversos interesses nacionais se distanciavam de um denominador comum. Ele não veio, a decepção foi generalizada, e pouco se esperava da edição seguinte do evento, em dezembro deste ano, no México. Mas a reunião de Cancún surpreendeu, produzindo um acordo para o qual a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, deu nota 7,5. Para um tema tão importante, em que o mundo vinha repetindo de ano, é uma ótima nota. Poucos acreditavam em um acordo, especialmente um que estabelecesse a criação de um Fundo Verde. Ainda não foi o compromisso necessário para proteger o planeta, já que não estabeleceu obrigações legais para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa. Mas pode ser visto como um divisor de águas na difícil tarefa de adequar desenvolvimento às capacidades naturais da Terra. O vazamento de petróleo no Golfo do México, meses antes, expôs a vulnerabilidade do meio ambiente às ações humanas. O acordo de Cancún recuperou a esperança na capacidade do homem de minimizar os danos causados ao planeta.
Vida artificial. Esse tema recorrente da ficção científica ficou muito mais próximo da realidade com o anúncio, em maio, de que cientistas dos Estados Unidos desenvolveram as primeiras células controladas por um genoma sintético. A célula em questão, de uma bactéria, não era artificial, mas o DNA dentro dela sim. As implicações do trabalho científico são ainda pouco conhecidas, e para muitos trata-se do primeiro passo na arriscada ambição humana de "brincar de Deus". Mas a descoberta é tida como uma das mais importantes da história da ciência. Daqui a 50 anos, 2010 pode ser considerado o ano em que a humanidade assumiu o controle sobre a sua própria criação.
EUA fora do Iraque. Na verdade, cerca de 50 mil soldados americanos continuam em solo iraquiano, mas em tese apenas para treinar tropas locais. O fim das operações de combate dos Estados Unidos, confirmado por Barack Obama em setembro, marcou o encerramento do que muitos consideram um dos maiores desastres da política externa de Washington e da Grã-Bretanha. A dupla de potências decidiu invadir o Iraque em 2003 para, em tese, desarmá-lo de armas de destruição em massa. Mas ficou provado que elas não existiam, e o que veio em seguida marcou o mundo por vários anos. Parte da violência no Iraque continua, mas a retirada americana pôs um freio na política intervencionista neoconservadora dos tempos de George W. Bush. Apesar da atual pressão sobre o Irã, devido ao seu programa nuclear, dificilmente os Estados Unidos repetirão a mesma estratégia usada contra Saddam Hussein.
As revelações do WikiLeaks. O terremoto causado pelo site do australiano Julian Assange ainda não pode ser completamente dimensionado. Quando, em novembro, o WikiLeaks passou a divulgar as primeiras de milhares de comunicações da diplomacia americana, ficou claro que entrávamos em novos tempos. As informações divulgadas já eram constrangedoras e reveladoras o suficiente para gerar uma crise na diplomacia global. Mas o processo pelo qual vieram a público e foram consumidas foi a principal novidade. Sem a tecnologia dos dias de hoje, os documentos não estariam tão facilmente acessíveis, supostamente a um soldado baseado no Iraque e acusado pelo acesso ilegal dos dados. Sem a internet a sua divulgação não teria causado tanto impacto. A posterior disputa entre WikiLeaks, o governo americano e várias empresas mostrou como o mundo virtual tornou-se palco de ações de guerrilha, com bancos de dados penetratos e sistemas derrubados. Como já escrevi neste mesmo espaço, a atividade do WikiLeaks veio para ficar, mesmo que o site seja fechado. Um drama antes vivido intensamente pela China, que trava uma guerra diária pelo controle do mundo digital, tornou-se dor de cabeça para a superpotência liberal. O conflito entre liberdade tecnológica e segredos de Estado será agora um elemento a ser considerado nas relações políticas de qualquer parte do mundo. Feliz 2011.