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Arquivo para fevereiro 2011

Fraude e consumismo

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Rogério Simões | 12:18, segunda-feira, 28 fevereiro 2011

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wallstreetblog.jpgNa festa de entrega do Oscar, não deu para o pessoal do Jardim Gramacho. O belíssimo Lixo Extraordinário acabou perdendo a estatueta de melhor documentário para Trabalho Interno, que afetou os mercados internacionais em 2008. Mas o fato de a história de Tião, Zumbi e cia ter sido selecionada para o maior palco do cinema mundial já foi um grande feito. Especialmente considerando que o vencedor é também um fantástico retrato do nosso tempo e deveria ser visto por qualquer um interessado em entender as dinâmicas do capitalismo atual. Com uma coleção de reveladores depoimentos, apesar de muitos personagens centrais da história terem se recusado a dar entrevistas, Trabalho Interno tenta responder a uma pergunta essencial: por quê? Por que os Estados Unidos chegaram à desastrosa situação financeira de 2008/2009? Por que a mais rica nação do planeta se tornou refém da ciranda financeira de um capitalismo de grandes remunerações, mas altíssimo risco?

O filme inicia sua narrativa bem longe de Wall Street, na Islândia, mostrando como um pequeno país europeu, com pouco mais de 300 mil habitantes e uma alta qualidade de vida, deixou-se iludir pelas promessas de ganhos fáceis da ciranda financeira. No início da década passada, o país desregulamentou seu setor financeiro, abrindo as portas para o capital estrangeiro e permitindo que a ilha vulcânica entrasse em ebulição. A erupção econômica veio no final de 2008, quando, diante da quebra de grandes instituições financeiras nos Estados Unidos e a paralisação do crédito mundo afora, o país não conseguiu pagar suas dívidas. A Islândia, cujos bancos tinham débitos muito maiores do que todo o PIB nacional, viu sua economia despencar cerca de 7% em 2009. O desemprego disparou para 9%, e a ilha precisou pedir um empréstimo de US$ 2 bilhões ao Fundo Monetário Internacional. Trabalho Interno relembra esses fatos, mas lhes dá uma diferente perspectiva, ao mostrar como instituições islandesas foram, gradativamente, sendo cooptadas pelos bancos de investimento. Até mesmo aqueles que deveriam controlar a insanidade de muitas das suas transações bancárias acabavam trabalhando para esse poderoso mundo corporativo.

Ao falar dos Estados Unidos, o documentário expõe as mesmas relações suspeitas, que aconteceram numa proporção muito maior e por muito mais tempo. Mostra como, desde a época do presidente Ronald Reagan, as operações do mercado financeiro foram sendo gradativamente flexibilizadas até o ponto de ninguém mais saber quem cuidava do dinheiro de quem. O auge da ciranda veio no início deste milênio, com o aumento das operações em derivativos. O documentário também expõe a forma como o poder político americano, que deveria supervisionar e limitar a expansão do financeiro, foi pouco a pouco dominado pelos bancos. Seus dirigentes, como o ex-chefe do Goldman Sachs Henry Paulson, que viria a ser o secretário do Tesouro no auge da crise, foram ganhando mais e mais espaço dentro das instituições americanas. O limite entre o que era mercado e o que era Estado ficou difícil de precisar.

A parte mais fascinante de Trabalho Interno, entretanto, diz respeito à academia. O documentário revela como as grandes universidades americanas também foram cooptadas pelo mercado, com respeitados professores produzindo estudos dizendo que uma área ia muito bem, enquanto era remunerado por esse mesmo setor. Foi o caso da própria Islândia, sobre a qual um acadêmico, Frederic Mishkin, da Universidade de Columbia, escreveu que sua economia estava forte e era um exemplo para o mundo, pouco tempo antes de desmoronar. O filme revela que o trabalho havia sido financiado pelas autoridades islandesas, algo que o professor tentou depois . O diretor do filme, Charles Ferguson, no mesmo jornal.

A força do documentário é inegável, mas a principal pergunta que ele se propõe a responder, por que afinal a crise ocorreu, fica parcialmente sem resposta. A história narrada pelo ator Matt Damon apresenta a realidade dos últimos 30 anos como se Wall Street tivesse cinicamente sequestrado o poder público e, com ele, o futuro da nação. Há fortes argumentos que sustentam a tese, mas é difícil acreditar que o americano médio tenha sido apenas uma vítima involuntária, facilmente enganada por um grande esquema criminoso. Afinal, não se pode negar que a reinvenção do capitalismo americano na entrada dos anos 80 serviu aos anseios consumistas da mais rica nação do planeta. A elite política que gerenciou o sistema a partir dos dois grandes partidos americanos (Democrata e Republicano) foi seguidamente e democraticamente eleita, enquanto os bilionários do mercado eram venerados pela nação como exemplos de sucesso. A mesma sociedade que ainda sofre com os efeitos da crise abraçou por 30 anos o consumismo desenfreado, estimulado por importações asiáticas baratas e focado na ilusão da casa própria acessível a todos. O ímpeto de gastar sem se preocupar com o amanhã espalhou dívidas pela sociedade que com o tempo saíram do controle. Bancos e governo, com aval acadêmico, criaram uma fantasia econômica que quase destruiu a economia americana, é verdade. Mas para isso contaram com a ajuda da febre do consumo, da ânsia pela riqueza sem limites e da ilusão de que dinheiro poderia cair do céu.

Os amigos de Khadafi

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Rogério Simões | 17:22, quarta-feira, 23 fevereiro 2011

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blairgaddafiblog.jpgO líder líbio, Muamar Khadafi, sempre pareceu invencível e incontestável em seu país natal. Mesmo quando o espírito revolucionário tomou conta da Tunísia, a possibilidade de que o regime na vizinha Líbia também seria ameaçado era relativamente remota. Mas o impressionante levante no Egito, que derrubou o antes todo-poderoso Hosni Mubarak, mostrou que todas as alternativas estavam na mesa no mundo árabe. Inclusive a queda de Khadafi.

Entretanto, o coronel que se instalou no poder em 1969, por meio de um golpe de Estado, é um sobrevivente. Com mais de 40 anos na chefia de sua nação, Khadafi já foi considerado um pária na comunidade internacional, por causa de seu apoio a ações terroristas, mas também teve muitos e importantes amigos, dos mais diversos. Nos anos 70 e 80, o seu regime, que se considerava revolucionário, fez alianças com outros grupos que lutavam contra forças vistas como opressoras ou imperialistas. Um deles foi o IRA (Exército Republicano Irlandês), que foi armado pelas forças de Khadafi, melhorando com isso sua capacidade de atacar alvos britânicos dentro e fora da problemática província. Martin McGuiness, figura central na resistência republicana e atual ministro do governo local da Irlanda do Norte, condenou nesta semana as ações do regime líbio contra protestos no país. Mas disse não se envergonhar das ligações passadas entre seu movimento e Muamar Khadafi. A mesma postura sempre tomou o respeitado ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, que pouco depois de sair da prisão visitou a Líbia e falou publicamente da gratidão que o seu movimento contra o apartheid tinha com Khadafi. Sempre chamando o líder líbio de "irmão", , quando reafirmou sua amizade com o famoso ditador.

Nos últimos anos, mais precisamente depois da invasão do Iraque em 2003, o líder líbio passou a atrair novos e surpreendentes amigos. Estados Unidos e Grã-Bretanha se aproximaram do coronel, que resolveu renunciar a qualquer programa de armas de destruição em massa. Os governos de George W. Bush e Tony Blair decidiram celebrar publicamente a nova amizade. e até muito recentemente apresentava a aproximação de Londres com a Líbia como uma consequência positiva da invasão do Iraque. O mesmo pensava o governo Bush: , em 2008, foi descrita por Washington como "histórica". É verdade que Rice anunciou como nova política dos Estados Unidos para o mundo árabe a promoção da democracia, dizendo que o patrocínio de ditaduras locais não havia levado estabilidade à região. Mas o discurso não levou a boicotes ou pressões mais duras por abertura nos regimes mais autoritários, como o de Muamar Khadafi, pelo contrário.

No caso britânico, Londres aumentou significativamente sua relação comercial com Trípoli, e a decisão da Justiça escocesa de libertar o único condenado pelo atentado contra o avião da Pan Am em 1988 irritou até os americanos. O sinal enviado pelas potências ocidentais foi de que o regime autocrático de Khadafi não era um problema. Contanto que ele estivesse disposto a colaborar politicamente no cenário internacional, seu regime não seria combatido, até porque os líbios são exportadores de petróleo. O estabelecimento de um regime democrático nunca esteve na pauta dos amigos de Khadafi, fossem eles o IRA, Mandela, Blair ou outros ditadores árabes. O coronel era para alguns um companheiro revolucionário e para outros um aliado de conveniência. Para o povo líbio, no entanto, Khadafi tem sido, há 42 anos, a única versão de governo disponível, uma autoridade onipotente em uma nação de relações tribais, sem partidos políticos. As circunstâncias da rebelião contra o regime são diferentes das vistas na Tunísia e no Egito, mas o motivo central não muda: o cansaço de ser governado pela mesma pessoa por tanto tempo.

Dilma, sucesso de crítica

Rogério Simões | 10:44, sexta-feira, 18 fevereiro 2011

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dilmablog.jpgOs elogios pipocam por todos os lados. A candidata que muitos consideravam uma espécie de fantoche do ultrapopular Luiz Inácio Lula da Silva é hoje descrita como uma presidente de personalidade própria, equilibrada e pragmática. A imagem adquirida por Dilma Rousseff junto a analistas, jornalistas e políticos é de uma chefe de governo capaz de rejeitar posições do seu próprio mentor e resistir ao fisiologismo de membros do Congresso.

Uma das medidas do governo que mais conquistaram admiradores foi o corte de R$ 50 bilhões no orçamento da União, anunciado pelo ministro Guido Mantega. A revista britânica The Economist, que defendeu a eleição do tucano José Serra, elogiou o maior compromisso do governo até agora com a austeridade fiscal, em contraste à herança deixada por Lula. Na mesma linha, o respeitado »å¾±Ã¡°ù¾±´Ç Financial Times escolheu o adjetivo "sólido" para descrever o início de governo da primeira mulher presidente do Brasil. O jornal, que também havia declarado preferência por Serra na fase final da campanha, elogiou o fato de a petista ter sinalizado uma posição diferente da do governo Lula em relação a violações de direitos humanos no Irã. As diferenças entre criador e criatura também foram observadas pelo espanhol El País, que destacou uma suposta preferência de Dilma pelos caças americanos da Boeing para a Força Aérea Brasileira, em vez do francês Rafale, defendido pelo antecessor. Em apenas 45 dias no Planalto, Dilma Rousseff é um sucesso de crítica.

A boa impressão não tem se limitado à imprensa e analistas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que as primeiras semanas da petista como chefe da nação Trata-se de um reconhecimento importante de um dos maiores nomes da oposição e adversário de Lula na histórica, e às vezes cansativa, disputa sobre quem fez mais pelo Brasil. Mas quem importa para a presidente Dilma são os políticos em atividade, especialmente aqueles que, no papel, pertencem à sua base de apoio. Em sua primeira batalha na Câmara dos Deputados, por um aumento do salário mínimo mais modesto do que queriam centrais sindicais e a oposição, Dilma venceu com uma margem de mais de 200 votos. Além de reafirmar seu atual controle sobre sua base, expôs as fraquezas da oposição, formada por partidos que costumavam defender a austeridade, mas tentaram abraçar uma bandeira oposta devido a seus objetivos políticos.

Um admirado início de governo, no entanto, está longe de representar a certeza de sucesso. Uma lua-de-mel seguida de períodos desastrosos é tão comum na carreira de governantes como na vida de casais antes apaixonados. A primeira preocupação de Dilma Rousseff é com os problemas que estão à sua frente, que incluem o avanço da inflação, o enfraquecimento de parcela da indústria devido ao real fortalecido e o estado lamentável da infraestrutura nacional. Como se não bastasse a necessidade de oferecer estradas, portos, aeroportos e energia elétrica apenas para administrar as necessidades básicas de uma economia em crescimento, o Brasil ainda tem de organizar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada nos próximos cinco anos. E não poderá sair gastando como se não houvesse amanhã, o que nos leva à segunda grande preocupação da presidente. Além de tomar medidas equilibradas e sensatas para proteger a economia, ela precisa também ser adorada pelos eleitores, mesmo adotando políticas supostamente impopulares. Só assim conquistará nas urnas um segundo mandato. Já respeitada pela crítica, Dilma Rousseff terá de mostrar se consegue ser também um sucesso de público.

Uma revolução puramente egípcia

Rogério Simões | 12:30, sexta-feira, 11 fevereiro 2011

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egitoblognovo.jpgO presidente Hosni Mubarak renunciou. O líder de um dos mais autoritários regimes do Oriente Médio não sobreviveu aos 18 dias de protestos nas ruas do Egito, que atraíram milhões de pessoas. O movimento não contou com líderes claros ou tendências políticas definidas. Reuniu muçulmanos, cristãos e diferentes ideologias. A banida Irmandade Muçulmana reforçou o coro da população insatisfeita, e o ex-chefe da agência da ONU para energia atômica Mohamed Elbaradei chegou a apresentar-se como um possível líder das massas. Mas o movimento não queria bandeiras ou representantes específicos. Seu objetivo era simples: derrubar o regime, pôr um fim no modelo político baseado na repressão de vozes populares. Sua reivindicação principal era a saída do líder da ditadura, e o que parecia impossível foi obtido diante dos olhares do mundo todo.

Hosni Mubarak, um ex-comandante da Força Aérea do Egito que acabou chefiando o país por três décadas, não escolheu exatamente a carreira de ditador. Quando, em uma de suas falas recentes, lembrou que nunca quis o cargo que ocupava, Mubarak não estava exatamente mentindo. O que o levou ao posto foi o assassinato de Anwar Sadat por radicais islâmicos, fato que deixou a Presidência no colo de Mubarak. Sua obrigação, em um momento extremamente delicado para o país, era preservar um regime que já existia desde os anos 50. Ao longo de 30 anos, entretanto, a figura de Mubarak ganhou força, e seu plano de passar o poder para seu filho indicava uma característica mais personalista da ditadura. Mubarak, que se utilizou de uma brutal polícia repressora e, segundo denúncias, possui uma fortuna bilionária no exterior, foi assumindo com o passar do tempo todas as credenciais de um típico déspota.

Em seus últimos pronunciamentos, Mubarak apresentou-se como um patriota. Lembrando seu passado de militar, defensor da integridade política e territorial do Egito, inclusive durante a ocupação israelense da Península do Sinai, ele disse ser um servo da pátria. O que os milhões de manifestantes nas ruas do país lhe respondiam, entretanto, era que a pátria não precisava mais de seus serviços. O tempo havia mudado, as necessidades eram outras, e o Egito entrara numa nova fase da sua história. O próprio Exército, enviado inicialmente para conter os protestos, foi forçado a admitir a legitimidade de suas reivindicações. A população disse continuar admirando seus militares, que tanto fizeram pelo país no passado, mas deixou claro que um novo regime deveria nascer das manifestações de rua.

O futuro do Egito ainda está para ser definido, e entre os espectadores mais atentos estão três governos com passados e agendas políticas muito diferentes. Estados Unidos, Israel e Irã gozavam de um certo conforto com o regime de Mubarak. Com ele Israel estabeleceu uma paz essencial para a segurança de grande parte do seu território. Washington tinha em Mubarak o maior aliado no mundo árabe, que ao mesmo tempo controlava o avanço fundamentalista e garantia estabilidade a Israel. Já o Irã, adversário de nações sunitas como o Egito, compartilhava com Mubarak a crença de que a democracia plena não era uma alternativa viável para a região. Agora os três países precisam, por motivos diferentes, adaptar-se à nova realidade.

O regime islâmico do Irã, apesar de ver com bons olhos o possível avanço no Egito de ideologias contrárias ao Ocidente, vai combater a ideia de que a voz do povo merece ser sempre ouvida. Por isso mesmo, promoveu a interrupção dos sinais do canal persa da ´óÏó´«Ã½, que vinha fazendo cobertura extensiva dos acontecimentos no Cairo. Os Estados Unidos tentarão manter a aliança com os militares egípcios, que são o alicerce do poder no país, enquanto Israel torce para que o possível estabelecimento da democracia não permita avançar no vizinho um sentimento hostil ao Estado judeu. O que os recentes acontecimentos no Cairo mostram, no entanto, é que as potências estrangeiras terão de acatar a vontade dos egípcios e de suas instituições. Apesar de instigado pelos acontecimentos da Tunísia, que semanas antes derrubou o seu próprio ditador, o movimento iniciado em 25 de janeiro, com a ajuda da internet e suas redes sociais, foi uma revolução puramente egípcia. Uma nova geração de cidadãos foi às ruas pela derrubada de um regime que deixara de atender às suas aspirações, sem copiar ninguém ou atender ao chamado de algum líder. Qualquer que seja o caminho a ser tomado pelo Egito, ele parece estar sendo traçado de forma espontânea e independente.

Egito, Irã e as revoluções

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Rogério Simões | 14:10, quarta-feira, 2 fevereiro 2011

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egitotanqueblog.jpgOs acontecimentos no Egito, onde confrontos entre seguidores e críticos de Hosni Mubarak ainda podem causar um banho de sangue, adquiriram uma velocidade impressionante. Digna de uma revolução. E, como em toda revolução, é possível saber como ela começou, mas nunca como acabará. As forças liberadas por um processo revolucionário, como o francês, no final do século 18, ou o russo, no início do século 20, são explosivas e duradouras, podendo mostrar seu verdadeiro impacto apenas muitos anos depois. Guerras civis, mortes e a adoção de regimes autoritários estão entre as várias nocivas consequências de movimentos que, no início, pretendiam ser um caminho para a democracia. Uma revolução é geralmente uma viagem acelerada e tortuosa em meio à escuridão.

Muitos consideram os atentados de 11 de Setembro ou a queda do Muro de Berlim os mais importantes fatos internacionais desde a Segunda Guerra Mundial. Outros, no entanto, apontam para um acontecimento transformador cujos efeitos se fazem sentir até hoje no cenário político global. A Revolução Iraniana, de 1979, mudou o paradigma de governo no Oriente Médio, abriu um novo espaço na vida pública para a religião e modificou os cálculos políticos das grandes potências. O regime iraniano é tão orgulhoso de sua revolução que apressou-se em dizer, dias atrás, que o movimento político no Egito era inspirado nos fatos de 1979 em Teerã. De certa maneira, é possível entender tal argumento, mas há muitas diferenças entre os dois movimentos. A revolução egípcia pode não ter o mesmo caráter transformador e inédito do levante que derrubou o xá Reza Pahlevi, mas é capaz de mais repercussões imediatas na região.

Diferentemente do movimento egípcio, a revolução do Irã tinha uma figura central, idolatrada por grande parte da população. O aiatolá Khomeini já era um ponto de referência para a oposição iraniana havia mais de dez anos enquanto estava baseado na cidade iraquiana de Najaf. Khomeini deu ao movimento que derrubou o xá um forte caráter religioso, apesar de na oposição haver várias outras tendências políticas, inclusive liberais e comunistas. O resultado foi a adoção de um regime islâmico e xiita, algo que o mundo ainda não havia presenciado. No Egito, apesar da significativa penetração da Irmandade Muçulmana, grupo político islâmico proibido por Mubarak, não existe uma figura central e inspiradora que conduza a ação dos manifestantes. Tal vácuo na liderança pode poupar os egípcios do caminho religioso adotado em Teerã, mas põe mais pontos de interrogação em um movimento difuso e sem clara direção.

A Revolução Iraniana também teve um resultado político regional relativamente modesto, apesar de em certa medida ter mesmo mudado o mundo. Cercada de inimigos por todos os lados, especialmente os árabes sunitas, muitos no Ocidente acreditavam que o levante de Khomeini fosse vulnerável demais para sobreviver. Estados Unidos e seus aliados incentivaram então seu amigo Saddam Hussein a tentar sufocá-lo por meio de uma guerra, um ano depois da queda do xá. Oito anos de combates deixaram 1 milhões de mortos, mas o grande aiatolá e sua República Islâmica do Irã sobreviveram. O novo regime inspirou e armou movimentos militares além das suas fronteiras, particularmente o libanês Hezbollah, mas não se expandiu, nem provocou a queda de outros aliados dos americanos na região.

Tal efeito pode, entretanto, ser provocado pela revolução egípcia. Apesar de já termos visto a queda de um ditador neste ano, na Tunísia, o Egito é a maior nação árabe, e a queda de Mubarak pode ter um efeito dominó por toda a região. Efeito que não veio imediatamente com a Revolução Iraniana, mas que de certa forma terá suas origens nos acontecimentos de 1979 em Teerã. Símbolo do controle ocidental sobre o Oriente Médio, Reza Pahlevi teve o fim temido por líderes da Arábia Saudita, Jordânia, Egito, Argélia etc. O caráter xiita do movimento iraniano o restringiu geograficamente, mas a ideia de um levante popular no Oriente Médio continuou na mente de muitos na região, tanto os que o esperam como os que o temem. Os revolucionários egípcios podem agora provocar um efeito reformador que leve democracia a povos calados por ditaduras, o que faltou ao movimento do Irã. Mas nada é garantido em uma revolução. As cenas de violência no centro do Cairo indicam que até mesmo uma nova guerra civil pode surgir, em meio ao tortuoso e incerto caminho revolucionário.

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