Mais um dia de caos em Londres
Nunca deixo de me espantar com a falta de preparo de Londres contra a neve. A impressão que eu tenho é que qualquer neve, por menor que seja, já transforma a cidade em um cenário daqueles filmes de catástrofe, à la Hollywood.
No inverno passado, no dia 2 de fevereiro, a cidade ficou completamente paralisada pela neve que caiu durante a madrugada.
Naquela ocasião, todo o transporte público foi cancelado e apenas os serviços essenciais funcionaram. Grande parte das pessoas sequer saiu de casa. Justiça seja feita, aquela tinha sido a maior nevasca do sudeste da Grã-Bretanha em 18 anos.
Nesta segunda-feira, a neve voltou a parar a cidade. Desta vez, caiu muito menos neve, mas novamente o estrago foi enorme. Acho que talvez tenha sido até um pouco pior do que a nevasca histórica, pois ela caiu à tarde, quando muitas pessoas já estavam no trabalho e não tiveram a opção de ficar em casa. À noite, as ruas estavam tomadas de pessoas querendo voltar para casa.
Saà do trabalho às 19h30 de ontem e fui tentar pegar o ônibus. Antes de sair, consultei o site da secretaria de Transportes de Londres que, naquela hora, informou que quase tudo estava funcionando normalmente.
Informação completamente falsa. Ao sair, a primeira parada que vi no centro da cidade tinha, no mÃnimo, 70 pessoas aglomeradas à espera do ônibus. Na rua, pouquÃssimos carros circulavam.
Resolvi não perder tempo e comecei a caminhar os seis quilômetros que separam o trabalho da minha casa.
No trecho inicial, perto do rio Tâmisa, o que vi foram centenas de pessoas nas paradas de ônibus - inclusive vários idosos, gestantes e pessoas com cadeiras de roda, sem opção para chegar em casa e aguentando temperaturas próximas de zero. Os poucos táxis que circulavam já estavam ocupados.
Aqueles que, como eu, se aventuraram pelas ruas, tiveram que combinar a caminhada com patinação, já que várias calçadas ficaram cobertas com uma fina camada de gelo. Cheguei ileso em casa, mas vi quatro tombos ao longo do caminho.
No trecho mais próximo da minha casa, o cenário era o inverso. O congestionamento de carros e ônibus era quilométrico e as paradas estavam vazias. Ultrapassei mais de 15 ônibus a pé. A maioria não transportava passageiros, já que as pessoas perceberam que caminhar seria mais rápido. Nas calçadas, uma romaria de pedestres se juntou a mim.
Próximo da minha casa, todas as ruas estavam paradas devido a um grave acidente de carro. Na minha rua, vi três carros deslizando lentamente pelo gelo, completamente sem controle. Por sorte (ou milagre) ninguém se machucou nesse perigoso balé.
Só fui ter a dimensão real do caos na cidade quando - ao chegar em casa após uma hora e meia de "patinação no gelo cross-country" - vi pela televisão as notÃcias.
Alguns aeroportos fecharam; a British Airways cancelou 24 de 27 voos em Heathrow. Estradas na capital ficaram paradas - primeiro devido ao congestionamento causado pela neve e depois devido às centenas de carros que foram abandonados em plena pista (as autoridades pediram para os motoristas deixarem bilhetes com seus telefones no vidro do carro).
O Eurostar - serviço de trem entre Paris e Londres - está parado desde a semana passada, também devido a um problema relacionado à neve. O clima na estação de St. Pancras, de onde partem os trens, é de desespero e revolta popular.
Meu prejuÃzo foi pequeno até. Em vez dos 50 minutos que levo geralmente de ônibus ou bicicleta até a minha casa, precisei de uma hora e meia. Para outros colegas aqui da ´óÏó´«Ã½ Brasil, o drama foi maior. Alguns precisaram de mais de duas horas - mais do que o dobro do tempo normal.
Por que a cidade para assim? A impressão que eu tenho é que ninguém sabe explicar com certeza.
Um motivo comum apontado pela imprensa é a falta de caminhões de neve - que desobstruem as estradas e espalham sal e areia para aumentar o atrito nas pistas. Uma repórter da TV disse ter andado dezenas de quilômetros em Londres e visto apenas um caminhão em toda a cidade.
É incrÃvel que a cidade fique nesse estado por tão pouco. A neve que caiu ontem não foi nada de extraordinário. Uma cidade que está investindo tanto para receber as OlimpÃadas em 2012 - que acontecerão no verão - talvez pudesse pensar um pouco também na sua infra-estrutura para aguentar o inverno.