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Arquivo para julho 2008

Obama, a celebridade

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Rogério Simões | 12:05, quinta-feira, 31 julho 2008

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obamaberlim.jpgUm dos maiores desafios da mídia na cobertura das eleições presidenciais americanas é tratar o virtual candidato democrata, Barack Obama, como um ser humano. Depois de uma semana viajando pelo Oriente Médio e pela Europa, onde foi recebido como uma mistura de estrela de cinema e salvador do mundo, especialmente na Alemanha, Obama aos poucos deixa de ser de carne e osso. O que pode se transformar em seu calcanhar de Aquiles no pleito de novembro.

Seu oponente, John McCain, encurralado pela super-exposição de Obama na mídia, com claras dificuldades de convencer jornais, revistas e TVs americanos a prestar atenção em seus movimentos e discursos, já começou a explorar a seu favor a idéia do Super Obama. O da campanha do senador republicano compara o democrata com Britney Spears e Paris Hilton, moças de inegável apelo popular, mas que já demonstraram certa incompetência em administrar suas próprias vidas e carreiras. A pergunta que McCain faz no anúncio: "Ele é a maior celebridade do mundo. Mas será que ele está pronto para liderar?" Em seguida a propaganda faz referência ao alto preço do petróleo, uma das maiores preocupações recentes dos americanos, e insinua que Obama não sabe o que fazer para combater o problema. O anúncio termina com a frase: "Mais impostos, mais petróleo vindo do exterior. Esse é o verdadeiro Obama". A idéia de McCain é colar no adversário a imagem de que ele é como uma estrela do cinema, distante da realidade do cidadão americano.

Há realmente muito de celebridade na figura do candidato Barack Obama, o que não quer dizer que ele não tenha substância em suas propostas. Ele recentemente confirmou que, se eleito presidente, vai estabeler um cronograma de retirada das tropas americanas do Iraque, encerrando uma campanha militar da qual ele discordou desde o seu início. Em conversas em Bagdá, o plano, de retirada das tropas em 16 meses, foi bem recebido pelo governo iraquiano, o que fez John McCain dizer que achava a proposta boa. O mesmo McCain que chegou a dizer que o Exército americano talvez tivesse de ficar no Iraque . Obama mostrou que pretende cumprir sua mais antiga promessa de campanha, e McCain teve de correr atrás.

Mas, apesar de suas idéias e uma oratória digna dos maiores líderes da história, a pecha de celebridade ainda pode criar problemas para Barack Obama. A imprensa americana parece ter culpa no cartório, pois em vários momentos tem se empolgado tanto com o apelo do democrata que parece ter vestido a camisa, como já escreveu aqui na ý Brasil o nosso correspondente Bruno Garcez. A acusação vem dos tempos em que ele ainda lutava contra Hillary Clinton pela indicação democrata e se mantém . O republicano acusa a mídia americana de estar "apaixonada" por Barack Obama.

A impressionante passagem de Obama por Berlim e seus encontros políticos no Oriente Médio, na França e na Grã-Bretanha não surtiram efeito nas pesquisas de opinião. aponta que ele continua na frente de McCain, mas tanto quanto estava antes do giro internacional: sete pontos percentuais. Pode parecer muito, mas é bom lembrar que a eleição americana não é um pleito nacional, mas um conjunto de 50 eleições estaduais. Em 2000, George W. Bush perdeu no voto popular, mas ganhou nas regras eleitorais. Obama ainda tem três meses de uma longa estrada antes de fazer história, e seu oponente não pode ser subestimado. McCain é antes de tudo um sobrevivente, tanto da Guerra do Vietnã como do jogo político. Inicialmente vista como um empurrãozinho, a onipresença do democrata na mídia ainda pode atrapalhar seu sonho de chegar à Casa Branca.

O cálculo da corrupção

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Rogério Simões | 18:48, terça-feira, 15 julho 2008

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Para muitos a corrupção é um fenômeno facilmente explicável: seria resultado da falta de caráter, da cara-de-pau, da ausência completa de vergonha na cara tanto de corruptos como de corruptores. Seria uma questão moral. Mas o economista americano Robert Klitgaard, que estuda o fenômeno há décadas e é considerado um papa do assunto, deu-se ao trabalho de criar uma fórmula para explicar a tal da corrupção: C = M + D - A.

policiafederal.jpg

Explico: corrupção seria o resultado de "monopólio" (M), mais "critério próprio" (D, do inglês "discretion"), menos "responsabilização pública" (talvez a melhor forma de traduzir "accountability", o A da fórmula). Ou seja, para Klitgaard, o clima que permite o avanço da corrupção é marcado por monopólio em alguma atividade, decisões tomadas com critérios próprios e resultados que não são alvo de responsabilização pública, não há cobrança sobre o que foi feito.

Desde que eu me conheço por gente o Brasil se depara, regularmente, com casos (ou suspeitas) de corrupção que parecem superar os recordes anteriores, em termos de número de pessoas envolvidas, montantes desviados e complexidade dos esquemas montados. A investigação da Polícia Federal que levou às breves prisões do banqueiro Daniel Dantas e do ex-prefeito paulistano Celso Pitta é a mais nova história que provoca indignação popular. Não é preciso haver culpa provada na Justiça (e a cética população brasileira tende a achar que não haverá) para que o cidadão pense mais uma vez que o país não tem jeito e que a corrupção é um problema moral sem solução.

Sem querer necessariamente assinar embaixo da fórmula de Robert Klitgaard, o interessante no exercício do economista é ele tentar buscar uma explicação lógica para o fenômeno que tantos milhões tira dos cofres públicos de nações pelo mundo afora, especialmente na América Latina, África e Ásia. Isso porque, se o Brasil quiser mesmo combater esse mal, precisa entender por que ele nasce, cresce e se reproduz como coelho. É como a chamada Lei Seca: a lei, com aplicação severa, por si só pode trazer resultados positivos inicialmente, mas é preciso entender por que os brasileiros sempre foram tão complacentes com a condenável prática de dirigir depois de beber.

O Brasil poderia também criar uma lei simples, dizendo que a corrupção está proibida, mesmo já havendo inúmeras outras que visam coibir o que muitos chamam de "praga brasileira". Não traria muito resultado. É preciso combater os elementos que estão na equação de Klitgaard ou outros que venhamos a identificar na realidade nacional. É possível argumentar que os dois fatores que ele aponta como responsáveis pela corrupção aparecer (monopólio e critério próprio) não são necessariamente os vilões. Afinal criticar monopólio parece coisa de quem quer a privatização absoluta, diriam muitos. Mas é preciso pelo menos apoiar o elemento que Klitgaard aponta como o inimigo da corrupção: a tal "accountability", ou responsabilização pública.

Nesse aspecto, a Justiça tem um papel central, logicamente, assim como Congresso e Executivo. Mas a mídia deve cobrar essa responsabilização e expor aqueles que escapam de um escrutínio oficial, como em grande medida já vem fazendo. Quanto maior for essa pressão por responsabilização, menor será a corrupção do outro lado da equação. Em países mais bem estruturados e historicamente mais maduros no combate a irregularidades, a imprensa e a sociedade civil organizada nem precisariam ser tão ativas para manter o pessoal nos eixos. Mas no Brasil a pressão do A da conta de Klitgaard precisa ser infinitamente maior. Inicialmente ela pode apenas fazer com que mais e mais casos fiquem conhecidos da população. Mas, no futuro, ela pode forçar o que hoje parece impossível: realmente diminuir a ocorrência e a gravidade dos casos de corrupção no Brasil.


Lei seca e debate público

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Rogério Simões | 20:56, quinta-feira, 3 julho 2008

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O Blog dos Editores está de volta, após uma reorganização interna e durante uma rápida passagem minha pelo Brasil.

Nos últimos dias, antes que o resgate da colombiana Ingrid Betancourt dominasse o noticiário, o assunto por aqui era a chamada Lei Seca, que na prática proibiu qualquer associação entre consumo de álcool e condução de automóveis. As punições parecem ser mais rigorosas do que as dadas a homicidas confessos, que advogados competentes muitas vezes conseguem manter fora das grades.

A polêmica legislação me fez lembrar uma outra, britânica, anti-fumo, que entrou em vigor há exatamente um ano. Comparando a aplicação das duas leis, eu pensei no papel da mídia em algo que parece ser essencial em qualquer mudança forçada de hábitos de uma população: o debate público.

O que primeiro me chamou a atenção em relação à lei brasileira foi que poucos conhecidos meus sabiam explicar exatamente como a nova legislação havia nascido, quem a havia proposto, por que ela havia sido aprovada. Uma rápida verificação na internet indica que a Câmara aprovou o projeto em 27 de maio, e no dia 19 do mês seguinte o presidente da República o sancionou. Ou seja, a lei já estava em vigor. Um amigo meu, geralmente muito bem informado, disse que foi pego de surpresa pela mudança : "Eu saí de férias, nem vi, quando voltei já havia essa nova lei".

A lei britânica que proibiu o fumo em qualquer lugar público fechado entrou em vigor às 6h do dia 1º de julho de 2007, mas sua aprovação ocorreu bem antes, no segundo semestre de 2006. Foi a conclusão de um processo de debate público, no Parlamento, na mídia, nas ruas, que começou em 2004. A proibição do fumo também fazia parte do manifesto de campanha do Partido Trabalhista, do governo. O país sabia que, se eleitos, os trabalhistas aplicariam uma legislação rigorosa contra o fumo em ambientes públicos. Em 30 de novembro de 2006, a ministra da Saúde britânica anunciou que a proibição na Inglaterra se daria a partir de julho do ano seguinte, ou seja, os ingleses teriam sete meses para se adaptar e mudar hábitos antes de a lei entrar em vigor (escoceses e galeses já tinham leis semelhantes).

Nesse período, o debate continuou, fumantes protestaram, donos de bares mostraram-se preocupados, médicos aplaudiram, consumidores tomaram partido, o país todo discutiu como se adaptar à nova realidade que se avizinhava. No centro da discussão, a mídia, que trazia pontos de vista diversos, contra, a favor, ou muito pelo contrário.

Mas no Brasil foi diferente. Em um país em que a relação entre Estado (seja o Executivo ou o Legislativo) e a população permite mudanças bruscas nas regras que determinam o comportamento social, só resta um elemento que permita a discussão, o questionamento, o debate público: a mídia. Mas estes poucos dias no Brasil indicam que a mídia brasileira poderia ser mais ativa nesse processo. Vejo poucas reportagens em jornais ou redes de TV que realmente questionem a chamada Lei Seca, que avaliem o impacto na vida do cidadão em locais como São Paulo, onde o carro ainda é única opção de transporte para muitos moradores. A lei é positiva, dizem autoridades e médicos, diante do vergonhoso número de mortos no trânsito devido aos excesso de consumo de álcool. Então a mídia, aparentemente com receio de questionar algo bom para o país, tem, com poucas exceções, se limitado a registrar os fatos e a mostrar que "a população terá de mudar os hábitos para se adaptar à nova lei".

A associação entre álcool e condução de veículos é perigosa, e há uma tendência mundial de se combater essa prática. Mas o Brasil, especialmente suas grandes cidades, ainda tem uma estrutura pífia de transporte público e escassas opções de lazer social (movido a álcool ou não) perto de onde vive o cidadão. Isso precisa ser debatido. Qualquer lei que tenha impacto na vida do cidadão (positivo ou negativo) precisa de espaço de discussão e tempo de adaptação. Se o tempo não foi dado pelas autoridades, maior ainda a necessidade de a mídia manter vivo o debate público.

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