Uma década feita de história
Os atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, marcaram o meu primeiro ano de trabalho aqui na ý. A morte do líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, marca a minha última semana como diretor da ý Brasil e meus últimos dias em Londres, antes da minha volta a São Paulo. O violento fim daquele que é considerado o maior terrorista da história também nos lembra quão diferente é a nossa realidade em comparação ao ano em que as torres do World Trade Center desabaram. Não que os ataques da Al-Qaeda tenham mudado o mundo, como muitos disseram na época. Os atentados de certa forma apenas ajudaram a nos avisar que o mundo estava mudando. O aparecimento de novas tecnologias, em especial a internet, o avanço de regiões antes confinadas ao chamado Terceiro Mundo e uma nova percepção do poder e da influência dos Estados Unidos eram processos que já vinham em curso, mesmo que de forma latente. Olhando para trás, é possível concluir que o 11 de Setembro foi apenas um indicativo do tamanho das mudanças que estavam por vir.
As transformações dos últimos anos não estiveram ligadas apenas à novas preocupações com a segurança. A distribuição de poder político e econômico e o próprio meio ambiente do planeta que habitamos são hoje bem distintos. Os atentados de 2001 levaram Washington a invadir o Afeganistão para tirar o Talebã do poder e tentar capturar Bin Laden, numa ação sancionada pela ONU. Menos de dois anos depois, a ganância militar que levou os americanos a operação semelhante no Iraque, dessa vez sem o apoio explícito das Nações Unidas, reforçou a percepção de que os Estados Unidos eram na verdade mais fracos do que se pensava. Não conseguiram vencer duas guerras em países pobres, contra inimigos armados principalmente com explosivos improvisados. Se os iraquianos acabaram se cansando de lutar, os afegãos do Talebã ainda mostram-se um inimigo muito mais difícil de subjugar, em um conflito ainda ativo dez anos depois.
No início de 2011, os vários movimentos populares no mundo árabe deram razão a parte do argumento em favor da guerra no Iraque, o de que a região estava preparada para a democracia. Mas, diferentemente do que imaginavam os neo-conservadores americanos, uma nova ordem democrática não seria imposta militarmente, por meio de uma invasão estrangeira. Na Tunísia, no Egito, na Líbia, no Iêmen ou na Síria, os pedidos de democracia vêm de dentro para fora. Além disso, o questionamento do poder dos ditadores não tem sido feito com base em plataformas religiosas. A ideia de que o Ocidente precisa apoiar regimes autoritários para impedir que a região seja governada por Bin Ladens tem caído por terra, pelo menos de acordo com os primeiros meses de revoluções, marcadas pela defesa da democracia e da instalação de regimes civis e laicos. Em 1979, no Irã, os democratas do movimento que derrubou o xá acabaram calados pelo fundamentalismo xiita do aiatolá Khomeini. Nada até agora indica que as revoluções árabes tenham o mesmo destino.
Na economia, o mundo pode não ter virado de cabeça para baixo, mas chegou perto. O liberalismo extremo surgido na era Reagan/Thatcher foi quase nocauteado, vítima dos excessos inerentes à sua sede de expansão. Ao mesmo tempo, os emergentes consolidaram-se como forças industriais ou fornecedores de commodities, em um mundo impulsionado pelo avanço chinês. O cenário desse embate foi, inicialmente, a Organização Mundial do Comércio, onde já no início do milênio o Brasil e outros começaram a acumular vitórias contra as antigas potências comerciais. Contrariando muitas previsões iniciais, a OMC, que começou a operar em 1995, tornou-se importante arma para nações emergentes, como o Brasil. O governo brasileiro foi fundamental na vitória, em 2003, em favor do acesso por países pobres a medicamentos genéricos contra a Aids e outras doenças. Mais um sinal das grandes mudanças que estavam a caminho.
A comunidade internacional não conseguiu chegar a um entendimento sobre regras comerciais, em torno da chamada Rodada Doha, lançada em 2001. Mas, mesmo sem um acordo, o mundo seguiu em frente, de uma forma que parece ter beneficiado muito mais as nações emergentes do que as potências tradicionais. O Brasil passou a ter a China como seu maior parceiro comercial e integra o grupo BRICS, que começou como uma palavra simpática cunhada pelo economista Jim O'Neill e transformou-se em uma referência deste mundo novo. Os Estados Unidos e a Europa continuam lutando para superar os efeitos da crise econômica iniciada em 2007, com os americanos rasgando boa parte do livro didático do FMI sobre como conduzir as finanças de um país. Para tirar a nação do atoleiro, as autoridades americanas seguem inflando o mercado de dólares, elevando a pressão inflacionária sobre outros países, como o Brasil. Em vez de liberalismo econômico ortodoxo, o momento é de salve-se quem puder.
Tudo isso enquanto o planeta sofre os efeitos de seu aquecimento. A tese de que o problema é causado pela ação humana foi aceita até pelos Estados Unidos, mas as medidas para controlá-lo têm sido tímidas, com o acordo de 2010 servindo de fio de esperança para o futuro. A batalha pelo meio ambiente talvez seja a que melhor traduza a importância dos últimos dez anos para o mundo como um todo. Foi uma década feita de história, que eu tive o privilégio de acompanhar por meio dos olhos da ý. Deixo agora o comando da ý Brasil, enquanto esse processo segue em frente, e com este texto me despeço dos leitores do Blog do Editor. Até breve, em um outro espaço, sempre atento à fascinantes transformações que nos acompanham, dia após dia.
dzԳáDzDeixe seu comentário
Vou aguardá-lo, então, em outros meios de comunicação. Já que gostava de ler seus textos aqui na ý Brasil.
Boa sorte!
Gostei da conclusão "Em vez de liberalismo econômico ortodoxo, o momento é de salve-se quem puder" Sim todos concluímos que há inflação no Brasil causada pela impressão indecente de papel pintado pelos USA e o mercado coadjuvado pela mídia a insistir nas tais medidas ortodoxas; aumento dos juros, redução das despesas sociais. Então temos dois adversários, o mercado e a mídia.
A propósito há dezenas de vídeos disponíveis na internet para demonstrar que ambos mídia e mercado devem se enquadrar com um novo ciclo, pois todos agora sabemos da verdade que impede da mídia continuar a nos manipular como disse a Naomi Klein no fim do seu “A doutrina do choque” e do constrangimento da responsável pela ý no documentário “The War You Don't See” John Pilger legendado”
Como em outras democracias já há regulamentação das comunicações, a ý como exemplo, se vens para São Paulo espero que ajudes na democratização da informação.
Olá Rogério boa sorte em sua nova empreitada,fico com saudades dos seus textos e a agora voce vai estar fazendo algum trabalho aqui no Brasil pra ý? ou vai pra outro meio de comunicação? por favor se for me retorne esse email para eu poder continuar lendo seus textos ,sem mais bom retorno e fica com Deus ,de novo muita boa sorte....
José Ferreira
Rio de Janeiro
Rogério, fiquei surpresa em saber que está deixando a ý Brasil.
Espero que o sucesso siga em seu caminho e que possamos continuar lendo seus textos em algum grande veículo.
Um abraço, Tatiane
O que vai fazer a partir de agora em São Paulo?
Só uma observacao: Bin Laden foi o segundo maior maior terrorista da história. O Primeiro foi Truman, que num só canetaco, em questao de segundos, matou cerca de 250 mil civis. Bin Laden teve com quem aprender e se espelhar.