Rússia, Geórgia, Estado e nação
O mais novo conflito na região do Cáucaso nos leva de volta a alguns dos maiores dilemas da geopolítica mundial, desde a publicação da Carta das Nações Unidas, em 1945. O documento, que criou o conceito de legislação internacional e pretendia colocar ordem em um mundo que havia chegado ao fundo do poço com a Segunda Guerra, estabeleceu direitos e deveres. Mas muitas vezes estes entram em choque, e o resultado é ou uma crise política ou um conflito armado.
Logo em seu capítulo 1, no primeiro artigo, a Carta da ONU fala no "princípio da auto-determinação", segundo o qual um povo tem o direito de decidir como e por quem será governado. Esse princípio baseou a onda de independências das colônias africanas a partir da década de 60, colocando um fim no neocolonialismo europeu, e continua sendo citado por comunidades que querem ser donas do seu próprio destino. Mas logo no segundo artigo a Carta da ONU defende a "integridade territorial" dos Estados membros contra o uso da força. Com dois direitos que podem muitas vezes entrar em conflito, a história tem provado nas últimas seis décadas que geralmente prevalece o princípio defendido pelo lado mais forte. E, desde o desaparecimento da União Soviética, o lado mais forte costuma ser aquele apoiado pelos Estados Unidos, potência que pode um dia apoiar o conceito de integridade territorial e no dia seguinte o de auto-determinação. Cada caso é um caso.
A história recente da Ossétia do Sul tem semelhanças com a de Kosovo. As duas regiões, com tradições culturais próprias, diferentes das dos países a que pertencem (ou pertenciam), se aproveitaram do colapso do bloco comunista europeu para buscar a independência. O início dos anos 90 foi de salve-se quem puder atrás da Cortina de Ferro, e aquele que foi mais rápido e eficiente conseguiu sua independência. Nessa onda, nem Kosovo nem Ossétia do Sul conseguiram se desligar de, respectivamente, Sérvia e Geórgia. Mas ambas tornaram-se independentes na prática, sob a supervisão de tropas estrangeiras. No caso de Kosovo, a independência, defendida pelos Estados Unidos, foi declarada recentemente e reconhecida por Washington. Já no caso da Ossétia do Sul, o governo americano tem preferido defender a integridade territorial da Geórgia, seu aliado. Vale lembrar que a independência de Kosovo deu-se depois que, em 1999, a Otan atacou um outro país soberano, a então Iugoslávia, sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, mesma acusação que pode ser feita agora à Rússia.
Na época do reconhecimento de Kosovo independente, o então presidente e hoje primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, acusou o Ocidente de dois pesos e duas medidas. Ele classificou a independência da província sérvia de "ilegal e imoral" e afirmou que ela poderia ter implicações em outros casos de desejada auto-determinação, como Abecásia e Ossétia do Sul. Não deu outra. O presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, calculou mal, invadiu a separatista Ossétia do Sul e foi devorado pelo urso vizinho. A Rússia humilhou o Exército georgiano e deixou os ossétios do sul e os abecásios mais perto da independência ou da anexação por Moscou.
Por que defender a independência de Kosovo e não a das regiões da Geórgia? O que faz com que a integridade territorial da Geórgia seja inviolável e não a da Sérvia? E a da Grã-Bretanha? Ou a do Sudão? Teria a Geórgia o direito de usar a força contra comunidades dentro do seu território? Se tiver, teria também o Sudão, contra a província de Darfur? Se há genocídio em Darfur, como dizem os Estados Unidos, teria havido genocídio na Ossétia do Sul, como acusa a Rússia? Onde termina o direito à auto-determinação de um povo e começa o direito à integridade territorial do Estado? Ou vice-versa?
São perguntas para as quais a Carta das Nações Unidas não tem resposta. O mundo se organizou politicamente em Estados nacionais, mas em muitos casos as nações não correspondem exatamente à fronteiras que encontramos nos mapas. Nos graves casos de dúvidas ou interesses conflitantes, a comunidade internacional (especialmente as grandes potências) tem de se reunir, negociar com as partes envolvidas e tentar chegar a uma decisão aceita por todos. A Rússia acaba de deixar claro que a sua opinião merece ser sempre levada em consideração. Cuidadosamente.
dzԳáDzDeixe seu comentário
A resposta as diversas indagações formuladas no texto está presente desde os mais antigos registros da humanidade: de que a história se escreve sempre em favor do mais forte e tudo é interpretado segundo os seus interesses geo-políticos, econômicos e culturais. Não foi diferente nos últimos 100 anos e nem será nos próximos.
Comentario honesto, lúcido, imparcial e sem maniqueismo.Mais uma vez a ý da uma lição de jornalismo sério e competente a imprensa nacional tendiosa e faltando com o devido respeito ao grande publico que se sente tratado como idiota e incapaz de ter opinião própria.
VIVA O IMPÉRIO VERMELHO!!! BUSHIT QUE NÃO SE META COM O IMPÉRIO VERMELHO!!!! NEM COM O VERDE!!!! AI DE QUEM INVADIR O BRASIL, A AMAZÔNIA OU QUALQUER PAÍS DA AMÉRICA-LATINA!!! URSOS E TAMANDUÁS, UNÍ-VOS!!! A QUEDA DA ÁGUIA ESTÁ PRÓXIMA!!!!
Inicialmente, gostaria de parabenizar a ý pela cobertura que faz do conflito na Geórgia. Trata-se, de uma fonte séria e confiável, a qual sempre recomendo aos meus alunos. Aplausos à parte, também devemos lembrar que o contexto vivido na região da antiga URSS é complexo: etnias das mais diversas coexistindo em espaços geográficos pequenos, como por exemplo, a Geórgia; Catolicismo romano e ortodoxo somados ao Islamismo; Rússia procurando manter sua hegemonia política na região. Em suma, um local instável, que mostra o quanto as questões que envolvem a autodeterminação dos povos e a integridade territorial são difíceis de ser resolvidas na prática. Isso sem contar os interesses geopolíticos das grandes potências, tais como os Estados Unidos, a Europa e a Rússia.
A verdadeira invasão é anterior. Foi a Rússia que invadiu a Geórgia com a transferência a força, feita por stalin de cidadãos russos para a Ossétia e Abcácia com a intenção de fazer o que o putin fez agora. Aproveitar-se das tensões que a população descendente dos russos cria para manter o poder militar na região. Assim é errado dizer que a Geórgia invadiu a Ossétia. Os georgianos apenas tentaram recompor um território que é seu. Provocar tensões para governar, mostra certa similidade da questão da Amazônia no Brasil. Quanto ao comentário, falando da imparcialidade da ý, não acredito nessa imparcialidade.
Parabéns pelo comentário direto e claro. Enquanto as "potências" militares não entenderem que as mudanças sofridas neste meio século são profundas, veremos civis serem massacrados pelos mais fortes em nome da arrogância e superioridade bélica. Como não podem se defender de canhôes, tanques e outros aparatos vão sofrer por estarem na sua terra.
Esta situação e outras semelhantes deixarão de acontecer, quando cumprir-se o que disse Bertrand Russell em a "Última Oportunidade do Homem", que é a criação de uma autoridade mundial única, com mopólio de todas as armas perigosas. Sobre essa possibilidade, que é sem dúvida cada vez mais concreta, eu comento a subida de Silvio Berlusconi ao poder do governo mundial, apoiado pelo Vaticano e ONU.
blog: governo-mundial.blogspot.com
O discurso norte-americano em defesa da soberania das nações não convence. Seria ingenuidade ressaltar a isenção da - ainda - nação mais poderosa do mundo. É evidente que a tomada de partido dos EUA no conflito tem o fundo econômico. O Mar Cáspio é uma das zonas que mais produz petróleo no planeta. A Geórgia faz fronteira no Cáucaso com outra ex-república soviética, o Azerbaijão. E são nas águas territoriais daquele país onde estão as principais reservas do óleo bruto no Cáspio. Ainda, a Geórgia fica no quintal da Rússia e muito próximo do Oriente Médio, região maior produtora de petróleo do mundo.
Mas os norte-americanos ainda têm interesse na questão bélica. A matriz das armas da Geórgia é soviética, baseada nos famosos fuzis de assalto AK. Os norte-americanos são proprietários de outra grande matriz de desenvolvimento bélico, fruto da rivalidade com os russos no século passado. Essa indústria movimenta bilhões. Agora, imagine você, uma ex-república soviética armada com equipamento norte-americano. É um grande negócio, não? Engraçado. Em pleno século XXI, a Guerra Fria se repete.
Parabéns pela lucidez no comentário. São poucos os que conseguem ser imparciais dentro do contexto atual de uma imprensa vendida e tendenciosa.
Brilhante comentário
Claro e objetivo
Parabéns pelo texto. Está bastante claro e informativo. Além de expressar uma opinião que ao meu ver é difícil de discordar.
E aproveitando para complementar o comentário do Luiz Mezzomo quanto aos verdadeiros invasores.
Sim, os verdadeiros invasores são os russos. Mas não há como culpar as novas gerações de russos ossetas pelas políticas de povoamento da União Soviética de Stálin. Levar a cabo essa idéia, negando seu direito de auto-determinação é o mesmo que negar a existência de um possível Estado de Israel.
O bloqueio naval contra Irã, que é equivalente para uma declaração de
guerra, é um projeto bipartidário, que tacitamente foi endossado pelos
Democratas. Em maio de 2008 bloqueio econômico, inclusive o
encroachment de comércio e o congelar de transações monetárias com a
República islâmica.
NOVO ACTO DE SERVILISMO DO GOVERNO BRASILEIRO
O governo do sr. Lula deu mais um passo na sua vassalagem ao
imperialismo. Agora decidiu colaborar militarmente com os EUA nos seus
exercícios de guerra contra o Irão. A fragata brasilleira
"Greenhalgh"
já está a caminho das costas iranianas, onde actuará sob o comando
estado-unidense. No Haiti, após a derrubada do governo eleito por meio
de uma intervenção militar dos EUA & França, é a tropa brasileira faz
o trabalho sujo de reprimir o movimento popular. Ver também: U.S.
Armada En Route to the Persian Gulf: "Naval Blockade" or All Out War
Against Iran?
Excelente análise! Parabéns pelas indagações que levam à necessidade de
reflexão sobre reformas nas Instiuições do Sistema Internacional.
ʲéԲ.
Análise com equilíbrio e moderação, baseada na veracidade dos fatos.
Cansamos de ver análises tendenciosas sobre esse último conflito no Cáucaso, por interesses político-financeiros ou medo de retaliações, que sabemos existirem.
Liberdade de imprensa pressupõe responsabilidade com a verdade, doa a quem doer.
Infelizmente Alguns insistem em puxar a sardinha para o lado mais forte, na tentativa de formar opinião distorcida a favor desses.
Aos sensatos cabe filtrar toda e qualquer informação recebida dos meios de comunicação de massa.
Viva a Liberdade de Expressão.
Jorge Alves
A primeira imagem que me veio à mente quando li no texto: " imprensa vendida e tendenciosa" foi a capa da revista VEJA aos domingos nas bancas...
O conflito ainda não acabou! Agora a Venezuela se associa militarmente com a Rússia. Os EUA lembrará de anos atrás em Cuba...
Até que ponto o Brasil poderá ser atingido? Devemos ser astutos e investigativos, pois há algo de "podre" pelo ar!
É incrivel que até nas relações com Moscou o governo de George Bush coloca o EUA numa situação nunca antes alcançada. O EUA é que no caso desse conflito se encontra errado em suas posições. Agora, e pela primeira vez, Moscou esta certo em defender um país que foi agredido por seus vizinhos. Até nisso o GEORGE BUSH falhou como governo dos EUA.
CREIO QUE O MUNDO COMEÇA A SENTIR FALTA DE CONTRAPESOS, POIS OS ESTADOS UNIDOS DEMONSTRAM CLARAMENTE NÃO TEREM MAIS MORAL PARA SEREM O FIEL DA BALANÇA, POIS A BALANÇA VICIADA E VEM PESANDO CONFORME OS INTERESSES DO FIEL, FAZENDO COM QUE HAJA UMA GRANDE SAUDADE DOS TEMPOS DA GUERRA FRIA, POIS A ARROGÂNCIA DO TIO SAN NÃO ÉRA TÃO EXASPERADA.