Contágio na Europa
A palavra do momento aqui na Europa é "contágio". O termo, se utilizado na área da economia, foi nas últimas décadas associado à regiões menos estáveis do mundo, Ásia, África e América Latina. A crise do petróleo contagiou os latino-americanos nos anos 70 e causou a crise da dívida brasileira dos 80. A crise asiática de 1997 contagiou todo o mundo em desenvolvimento. A crise russa do ano seguinte agravou a situação, contagiando os países emergentes, num processo que anos depois acabou praticamente quebrando a Argentina. Era crise que não parava mais, com um contágio atrás do outro. Mas agora temos uma novidade: o contágio europeu.
O estado da economia europeia, que depois da crise financeira de 2008/09 continou na UTI, agravou-se com os crescentes sinais de que os problemas da Grécia eram mais graves do que se pensava. Agora sabe-se que o país precisa de uma ajuda realmente de peso dos seus parceiros da zona do euro (leia-se Alemanha e França). Claro, fazia tempo que a crise na Grécia era séria, mas na terça-feira entrou em campo um dos mais temidos personagens de qualquer crise econômica: a agência de avaliação de risco. A Standard & Poor's, dos Estados Unidos, divulgou que passava a considerar a dívida grega como de alto risco (caiu de BB+ para BBB-). Ou seja, quem é credor dos gregos pode se acostumar, segundo a agência, com a possibilidade de não receber seu dinheiro de volta. Quando isso acontece, é normal que todos comecem a olhar em volta para ver se o problema grego não se espalhou para outros países.
Antes mesmo da especulação sobre outras nações em apuros, a Standard rebaixou a dívida também de Portugal, que está num nível significamente melhor do que a grega, para A-. A mesma agência foi além nesta quarta-feira, reduzindo o status da dívida da Espanha, de AA+ para AA. As bolsas europeias tiveram um dia terrível na terça e voltaram a operar no vermelho nesta quarta. O contágio europeu continua e pode ser maior. O diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Dominique Strauss-Kahn, .
Aqui na Grã-Bretanha, apesar de a moeda ser diferente, o medo do contágio é real. A libra segue desvalorizada, diante dos problemas econômicos do país, que tem hoje um déficit recorde no período pós-Segunda Guerra. A resposta poderá vir em breve, já que na próxima semana o país escolhe um novo governo. Os economistas já avisam: qualquer que seja o vencedor terá de reduzir drasticamente o déficit para fugir desse contágio europeu, o que significa corte de gastos públicos e aumento de impostos. Exatamente o mesmo que manifestantes nas ruas de Atenas vêm, há meses, tentando evitar. Se o remédio amargo tiver de ser dado, protestos semelhantes podem até aparecer nas ruas de Londres. E, mesmo assim, como em toda epidemia, a proteção do contágio não estará garantida.
dzԳáDzDeixe seu comentário
É irônico ver esses países europeus nessa situação caótica com a dívida pública depois de tanto eles pressionarem e criticarem os países mais pobres pelas mesmas razões. Pelo menos está claro que se um país pobre entrar em crise, as críticas baseadas em argumentos morais já não valem mais.
Caro Rogério, o problema é que nesse caso "o tratamento foi muito bem-sucedido, infelizmente o paciente não resistiu"... o samba de uma nota só dos ex-monetaristas e atuais "todos os economistas que encontram emprego em cargos de poder", que consiste em ajuste fiscal e elevação dos juros, mata. Mesmo. Não é retórica. Veja, ajuste fiscal = menos gastos públicos = menos saude e menos agua e esgoto e menos recolhimento de lixo (funções que exigem gastos do governo) = mais desemprego e mais doenças não tratadas. Mata. Porque a solução é outra, mas a banca no poder não se interessa. E eles, ora, não morrem, né...
Até onde me recordo existe uma lição simples: ninguém pode gastar mais do que ganha! Não sem ter que mais tarde pagar a conta... O Brazil atingiu a atual fase de prosperidade devido ao simples fato de ter ajustado suas contas (mérito em grande parte da lei de responsabilidade fiscal e da manutenção do superavit nas contas do governo). A Europa e os EUA se acostumaram à boa vida de gastar o $$$$ dos outros. Agora a conta chega! Essa crise ainda não acabou. Quem vai pagar o déficit em conta-corrente de bilhoes e bilhoes dos EUA?