Cem dias que abalaram a vizinhança
Foi só ele se mudar para cá, no dia 20 de janeiro, que tudo mudou.
Ele começou a frequentar jogos de basquete dos Washington Wizards e provou daquele que é, sem dúvida, um dos melhores hot-dogs do mundo, o da lanchonete Ben's Chilli Bowl.
Agora, o Ben's conta até com uma placa dizendo que Ele sentou ali. E, como se não bastasse, a lanchonete passou também a contar com um cartaz anunciando que eles só servem fiado para o humorista Bill Cosby e para o novo vizinho e sua famÃlia.
O Vizinho Número 1 também deu as caras lá ao lado de casa, quando foi jogar basquete na escola Marie Reid Community Learning Center.
A vizinhança já gostava dele antes, tendo votado em peso para que ele se mudasse para cá.
Mas depois que ele passou a dar o ar de sua graça com regularidade em diferentes pontos da cidade, o pessoal passou a gostar ainda mais.
Mesmo que ele agora percorra constantemente as ruas da cidade cercado de uma escolta com diversas limousines, carros de polÃcia e ambulâncias, o pessoal dá de ombros e não se incomoda com os transtornos que isso provoca no trânsito local.
O novo vizinho teve até a gentileza de me convidar para ir à Casa dele, mas o convite, claro, foi feito por gente que trabalha para gente que trabalha para ele, não pelo próprio. E, uma vez lá, eu não pude e nem deixariam que eu cumprimentasse o anfitrião.
Foi naquela ocasião que ele travou um amizade com um brasileiro de nome Luiz.
E, com a amizade mal tendo começado, esse novo morador de Washington já sai dizendo por aà que o brasileiro ''é o cara''.
Para não fazer desfeita, vale lembrar que o antigo morador daquela residência ilustre na Pensylvannia Avenue 1600 também convidou para uma visita e ainda recebeu ''o cara'' e outros brasileiros não apenas lá como também na casa de campo conhecida como Camp David.
Mas o problema é que o antigo morador não era muito querido pelos ex-vizinhos. Tanto assim, que ele começou a evitar passear pela cidade, ir a restaurantes, estádios esportivos e coisa e tal.
Mas foi só ele sair daqui para começar a dar as caras em alguns cantos lá no Estado em que ele foi criado, o Texas.
O Ex-Vizinho apareceu de supresa em uma loja, fez o arremesso inicial em um jogo de beisebol - coisa que ele nem sonharia em fazer por aqui - e realizou até uma festinha em sua nova residência.
Entre os convidados, muitos velhos amigos do tempo em que em que ele morava aqui na capital, gente como Donald e Condi e um tal de Paul, que presidia um banco aqui ao lado, mas que acabou tendo que pedir demissão depois de haver surgido uma história de que ele teria oferecido um aumento para sua namorada, que, por sinal, ainda trabalha por lá.
A turma toda estava lá, mas o velho chapa Dick ficou de fora. Despertando boatos até de que os dois andariam estremecidos, mas sei lá se isso é verdade.
A turma do novo morador é outra, tem o Rahm, cujo temperamento já lhe valeu até o apelido de Rambo. Mas ele agora anda bem mais tranquilo e hoje em dia até se dá bem com a turma do antigo morador.
Tem a Hillary, que, há um ano falava cobras e lagartos do Vizinho Número 1, mas hoje eles se dão super bem. O tempo sana quaisquer feridas, é bom isso.
Tem também o Vizinho Número 2, que trabalha ali do lado da Pensylvannia 1600, num prédio um pouco mais modesto do que a casa do Vizinho Número 2, mas igualmente bem frequentado. Ele se chama Joe e também já se encontrou com o brasileiro Luiz. Joe às vezes fala mais do que deve, o que parece deixar o vizinho mais famoso um pouco contrariado, de quando em quando.
Mas eu estaria mentindo se dissesse que todo mundo gosta do novo inquilino. Tem gente na mesma rua que anda espalhando que ele gasta dinheiro que não é dele, que ele vai acabar deixando esta e outras vizinhanças na pindaÃba e até chamando-o de comunista e fascista.
Não é que o pessoal seja intriguento e fofoqueiro, não, mas é que eles gostavam mesmo era do Ex-Vizinho e ficaram muito chateados quando o Vizinho Número 1 se mudou para cá, trazendo uma turminha nova.
O fato é que, gostem dele ou não, o Vizinho Número 1 anda trabalhando bastante e, por tabela, vem também me deixando muito ocupado.
Nesses primeiros cem dias, ele fez gestos de amizade voltados para um pessoal de umas vizinhanças bem, bem distante - gente que, vale dizer, é muitas vezes bastante mal recebida quando aparece aqui ao lado, em Nova York-, mudou um monte de decisões que tinham sido tomadas pelo Ex-Vizinho, e saiu distribuindo dinheiro para diversos bancos.
As consultas feitas com moradores desta e de outras vizinhanças mostram que a maior parte está contente com o Vizinho Número 1, mas deixam claro também que ele é um dos mais polarizadores inquilinos que já moraram em Pensylvannia Avenue 1600.
Se as decisões deste novo morador estão certas ou não não cabe a mim dizer. Procuro manter a minha discrição como vizinho. E mesmo quando eu me manifesto com mais entusiasmo, o Vizinho Número 1 e a turma dele não toma qualquer conhecimento.
Mas o que eu vou sempre lembrar, mesmo quando deixar de ser vizinho deste novo residente famoso, é a vez em que ele, que ainda não tinha domicÃlio por aqui, apareceu para uma visita, durante uma convenção partidária, realizada há pouco menos de dois anos em um hotel nas imediações.
Naquela ocasião, ninguém imaginava que ele iria se tornar o Vizinho Número 1. E eu muito menos. Mas, ainda assim, achei que não custava nada tentar falar com o moço. Vai que um dia...
Ele terminou seu discurso, saiu do palco e eu fui atrás. Como, naquela época, ele não vivia cercado de seguranças, consegui fazer uma perguntinha e até uma segunda. E ele respondeu.
Depois, demonstrando simpatia, ele ofereceu um aperto de mão. Quando ele fez o mesmo gesto recentemente para um sujeito que mora lá para o sul, um tal de Hugo, muita gente por aqui chiou.
O meu aperto de mão com o Vizinho Número 1 foi breve, não rendeu manchetes e nem controvérsias. Mas é algo que eu vou poder contar para meus netos mesmo quando tiver me mudado para bem longe da Pensylvannia 1600, muito tempo depois destes 100 primeiros dias.