Assassinato na rua Farleigh
Um assassinato deixou minha rua em polvorosa. O leitor me perdoe a expressão, por assim dizer, cheia de serpentinas, mas o termo é esse mesmo, em polvorosa, porque pouca coisa encanta mais os pobres mortais do que a morte.
Ou talvez tenha sido efeito da cobertura da imprensa, sempre a imprensa, que no dia da fatalidade montou acampamento na esquina da Farleigh Road, onde moro, com a Stoke Newington High Street, onde os dois rapazes foram encontrados.
Repórteres com seus microfones saltavam sobre os moradores que passavam por ali, e que tinham de identificar-se com a polícia antes de entrar na rua. Vi a notícia ao vivo pelo telejornal e espetei a cabeça para fora da janela, para constatar que, sim, o circo estava montado.
Naquela tarde, um policial à paisana, aliás bastante simpático, bem diferente dos durões dos filmes de Hollywood, bateu à minha porta assuntando para saber se alguém estava em casa na hora do ocorrido. Sábado à noite, amigo, é difícil encontrar alguém nesta casa, respondi, um pouco contrariado, queria ajudar o detetive sorridente.
O risca-faca (literalmente) foi o ápice de uma briga coletiva (dizem que envolveu até cem pessoas) desatada durante uma festa de aniversário, em um centro comunitário a alguns quarteirões dali.
Creio que ainda investigam se os rapazes foram esfaqueados no local e correram para a Farleigh Road, ou se foram perseguidos até a Farleigh Road e esfaqueados no local onde agora repousam flores, junto ao murinho de tijolos vermelhos dos edifícios.
Um adolescente de 16 anos e outro de 15 foram enviados ao hospital, mas um deles não resistiu ao sangramento. A foto do rapaz, David, já circula nos jornais. A imprensa contabiliza que, com a vítima, já são 26 adolescentes mortos em Londres neste ano. A grande maioria, vítima da guerra de gangues que se alastram pela cidade.
O filho de minha vizinha, que encontrou os rapazes pedindo ajuda caídos na calçada, está em choque, diz a mãe.
Stoke Newington é um bairro meio transado, meio ‘raízes’, localizado entre os cafés afrancesados da Church Street e os bares de jazz e música black que encostam no bairro de Dalston. O crime aconteceu a poucas quadras de uma moderna delegacia.
Uma nota de protesto pregada nas árvores da vizinhança alfineta: “Onde está a polícia? Nesta parte da cidade, só vejo um policial a pé na fila do churrasquinho grego”.