No começo do ano, a ministra do Interior britânica, Jacqui Smith, causou polêmica ao admitir que não se sente segura para andar nas ruas de Londres durante a noite, seja em Hackney - uma área com uma população menos abastada e com Ãndices de criminalidade relativamente altos - ou em Chelsea - um dos bairros mais chiques da cidade.
Na época, os principais partidos de oposição se aproveitaram da declaração para criticar o governo trabalhista - do qual Smith faz parte -, de ter deixado a criminalidade aumentar e ter feito com que os habitantes de Londres fossem privados de um privilégio que moradores de outras metrópoles como Nova Iorque, Paris, Berlim e Tóquio ainda teriam.
Apesar de os números mais recentes da polÃcia metropolitana de Londres mostrarem que o Ãndice geral de criminalidade caiu (embora o número de crimes com armas tenha aumentado) hoje um episódio mostra que a cidade não é mais a mesma, incluindo o Chelsea.
Houve um tiroteio entre policiais e homens armados em plena King's Road - considerada uma das ruas mais chiques de Londres, com lojas carÃssimas, freqüentada por muitas pessoas que podem comprar nelas.
Como o incidente ocorreu há duas horas do momento em que estou escrevendo este post, ainda existem poucos detalhes. Aparentemente, tiros foram disparados de dentro de uma joalheria e a polÃcia na área revidou.
Ambulâncias de prontidão na King's Road, nas proximidades do tiroteio
Os canais locais, especialmente a SkyNews, estão fazendo uma cobertura à la "Cidade Alerta" e confesso que não tenho saudades deste tipo de programa, por dois motivos: porque exploram a desgraça dos outros e porque mostram que desgraças acontecem.
O ideal seria viver em uma cidade onde elas não acontecem e é triste ver na televisão que Londres não é uma delas...
Eu já tinha percebido a cidade diferente quando voltei de uma temporada no Cairo, há pouco mais de seis meses. Nos mudamos para Holloway, que, por um lado obviamente é longe de ser um Chelsea, mas também não é considerado complicado como Hackney.
Um noite, voltando por volta das 23h da minha aula de yoga, desci do ônibus e subi a pé a Caledonian Road. Em menos de cinco minutos estaria no conforto de casa. Porém, um adolescente desocupado resolveu me meter em uma situação para lá de desconfortável antes disso.
Era um destes "hoodies", como são chamados aqui os trombadinhas, e assim que ele me avistou do outro lado da rua, saiu do ponto de ônibus e grudou do meu lado - literalmente. Eu gelei. Não era algo que eu esperava acontecer comigo em Londres e eu me senti extremamente vulnerável.
Em São Paulo, já passei por várias tentativas de assalto no trânsito ou no farol e sempre me refugiei na proteção do carro, quaisquer fossem as minhas reações no momento (já foram várias, desde fechar o vidro na mão do cara até mandá-lo para o inferno aos berros e vê-lo sair correndo assustado com minha reação inesperada). Mas ali estava eu, na Londres onde eu costumava andar sem medo às 2h da madrugada, com um trombadinha do meu lado falando que me seguiria até em casa se eu não passasse minha bolsa para ele.
O que eu deveria fazer? Gritar por socorro? Sair correndo? Não gritei, porque fiquei com medo de ele ter uma faca a tiracolo (muitos crimes aqui são cometidos com facas). Não corri, porque supus que depois de uma cansativa aula de yoga ele me alcançaria em um piscar de olhos.
Como meu marido sempre me disse que sou muito explosiva, resolvi não reagir. Aliás, ignorei o hoodie e fingi que ele não estava ali - apesar de meu coração bater desesperadamente e os dois quarteirões até em casa terem parecido estar a quilômetros de distância. Vi que ele foi ficando nervoso com a minha não-reação, falando mais perto do meu rosto, com mais raiva, quando... fui salva pelo ônibus do infeliz, que passou pelo ponto que ele tinha abandonado para me importunar. E lá foi o moleque correndo enlouquecidamente para pegar o ônibus.
Cheguei em casa chorando e não sei se chorava mais por causa do susto ou por ter sido o primeiro dia em que comecei a não me sentir mais tão segura em Londres.