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Arquivo para agosto 2008

Rússia, Geórgia, Estado e nação

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Rogério Simões | 14:21, terça-feira, 12 agosto 2008

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southossetia.jpgO mais novo conflito na região do Cáucaso nos leva de volta a alguns dos maiores dilemas da geopolítica mundial, desde a publicação da Carta das Nações Unidas, em 1945. O documento, que criou o conceito de legislação internacional e pretendia colocar ordem em um mundo que havia chegado ao fundo do poço com a Segunda Guerra, estabeleceu direitos e deveres. Mas muitas vezes estes entram em choque, e o resultado é ou uma crise política ou um conflito armado.

Logo em seu capítulo 1, no primeiro artigo, a Carta da ONU fala no "princípio da auto-determinação", segundo o qual um povo tem o direito de decidir como e por quem será governado. Esse princípio baseou a onda de independências das colônias africanas a partir da década de 60, colocando um fim no neocolonialismo europeu, e continua sendo citado por comunidades que querem ser donas do seu próprio destino. Mas logo no segundo artigo a Carta da ONU defende a "integridade territorial" dos Estados membros contra o uso da força. Com dois direitos que podem muitas vezes entrar em conflito, a história tem provado nas últimas seis décadas que geralmente prevalece o princípio defendido pelo lado mais forte. E, desde o desaparecimento da União Soviética, o lado mais forte costuma ser aquele apoiado pelos Estados Unidos, potência que pode um dia apoiar o conceito de integridade territorial e no dia seguinte o de auto-determinação. Cada caso é um caso.

A história recente da Ossétia do Sul tem semelhanças com a de Kosovo. As duas regiões, com tradições culturais próprias, diferentes das dos países a que pertencem (ou pertenciam), se aproveitaram do colapso do bloco comunista europeu para buscar a independência. O início dos anos 90 foi de salve-se quem puder atrás da Cortina de Ferro, e aquele que foi mais rápido e eficiente conseguiu sua independência. Nessa onda, nem Kosovo nem Ossétia do Sul conseguiram se desligar de, respectivamente, Sérvia e Geórgia. Mas ambas tornaram-se independentes na prática, sob a supervisão de tropas estrangeiras. No caso de Kosovo, a independência, defendida pelos Estados Unidos, foi declarada recentemente e reconhecida por Washington. Já no caso da Ossétia do Sul, o governo americano tem preferido defender a integridade territorial da Geórgia, seu aliado. Vale lembrar que a independência de Kosovo deu-se depois que, em 1999, a Otan atacou um outro país soberano, a então Iugoslávia, sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, mesma acusação que pode ser feita agora à Rússia.

Na época do reconhecimento de Kosovo independente, o então presidente e hoje primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, acusou o Ocidente de dois pesos e duas medidas. Ele classificou a independência da província sérvia de "ilegal e imoral" e afirmou que ela poderia ter implicações em outros casos de desejada auto-determinação, como Abecásia e Ossétia do Sul. Não deu outra. O presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, calculou mal, invadiu a separatista Ossétia do Sul e foi devorado pelo urso vizinho. A Rússia humilhou o Exército georgiano e deixou os ossétios do sul e os abecásios mais perto da independência ou da anexação por Moscou.

Por que defender a independência de Kosovo e não a das regiões da Geórgia? O que faz com que a integridade territorial da Geórgia seja inviolável e não a da Sérvia? E a da Grã-Bretanha? Ou a do Sudão? Teria a Geórgia o direito de usar a força contra comunidades dentro do seu território? Se tiver, teria também o Sudão, contra a província de Darfur? Se há genocídio em Darfur, como dizem os Estados Unidos, teria havido genocídio na Ossétia do Sul, como acusa a Rússia? Onde termina o direito à auto-determinação de um povo e começa o direito à integridade territorial do Estado? Ou vice-versa?

São perguntas para as quais a Carta das Nações Unidas não tem resposta. O mundo se organizou politicamente em Estados nacionais, mas em muitos casos as nações não correspondem exatamente às fronteiras que encontramos nos mapas. Nos graves casos de dúvidas ou interesses conflitantes, a comunidade internacional (especialmente as grandes potências) tem de se reunir, negociar com as partes envolvidas e tentar chegar a uma decisão aceita por todos. A Rússia acaba de deixar claro que a sua opinião merece ser sempre levada em consideração. Cuidadosamente.

Nacionalismo olímpico

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Rogério Simões | 11:53, sexta-feira, 8 agosto 2008

Comentários (4)

olimpiada.jpgCompetições esportivas entre países são momentos em que boa parte da lógica, do racionalismo e da objetividade da vida moderna dão lugar a um sentimento que já foi ideologia e movimento político: o nacionalismo.

Entre as toneladas de artigos publicados na imprensa internacional sobre os Jogos Olímpicos de Pequim, abertos nesta sexta-feira com uma cerimônia de encher os olhos, a preocupação no Ocidente com o recente avanço do nacionalismo chinês é clara. A revista The Economist, por exemplo, , disse que o regime comunista chinês está fortalecendo tanto o amor à pátria com a Olimpíada que há o risco de no futuro o país passar a enxergar inimigos em potencial no exterior.

O risco do uso do esporte para fins políticos, aliado à força do nacionalismo, ocorreu em vários momentos da história. Em 1980, a então União Soviética vendeu ao mundo a bela imagem de um ursinho choroso numa Olimpíada atingida pelo boicote dos Estados Unidos, que tiveram de amargar o boicote soviético aos seus Jogos quatro anos depois. Em 1978, a Argentina organizou uma Copa do Mundo que era vista pelo regime militar local como uma maneira de se fortalecer e esconder as denúncias de torturas e assassinatos.

Nos anos 90, quando começou a se falar em globalização, muitos achavam que o nacionalismo estava perdendo sentido. As identidades nacionais estariam se esvaziando em um mundo em que a internet, a TV a cabo e o transporte acessível aproximava povos e derrubava fronteiras. Mas aparentemente era uma morte declarada de forma prematura. Alguns estudiosos, como , da London School of Economics, que escreveu vários livros sobre o tema, consideram o nacionalismo ainda muito vivo, e a Olimpíada é um momento único para medir sua força.

Muito se fala agora do impacto da Olimpíada de Pequim sobre a situação interna na China, com o governo aparentemente aumentando o controle sobre a segurança e a informação. Mas o nacionalismo associado às competições esportivas pode dar um novo elemento às relações externas de Pequim. A China está provando ter se tornado uma superpotência e, se terminar os Jogos à frente dos Estados Unidos no quadro de medalha, terá realizado uma união perfeita entre paixão nacional e potencial esportivo que encherá os chineses de orgulho.

A paixão nacional expressa por meio do esporte aparece em todo lugar e aqui na Grã-Bretanha consegue um verdadeiro milagre. A cada quatro anos, nos Jogos Olímpicos, os britânicos torcem por uma mesma equipe, a Grã-Bretanha, o que não acontece na Copa do Mundo. Nesse casos, Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte competem separadamente, o que certamente enfraquece a identidade nacional britânica.

Mas em 2012, com a Olimpíada sendo realizada em Londres, os britânicos querem que o seu nacionalismo esteja no máximo do seu potencial e por isso sonham em ter, disputando também a medalha de ouro do futebol, um time britânico. Mas os escoceses já jogaram água na cerveja quente dos ingleses: a Federação de Futebol da Escócia reafirmou dias atrás que nunca participará de uma selação única com os seus vizinhos do sul. Se mantiver a posição será uma ducha de água fria na identidade britânica, mas uma injeção de força no nacionalismo escocês.

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