Instável mundo novo
Dias atrás falei aqui sobre o mundo emergente, cuja influência econômica e polÃtica deverá aumentar ainda mais nos próximos anos. Pouco depois, o Conselho Nacional de Inteligência (NIC), que coordena o trabalho das agências de inteligência americanas, admitiu o que vários analistas já dizem há anos: o poder dos Estados Unidos diminuirá progressivamente,, dando lugar a novos atores polÃticos.
O que o relatório também diz é que esse mundo novo traz muito mais riscos e incertezas, à medida que regiões instáveis adquirem mais influência. Quanto a riscos, muitos diriam que demasiado poder nas mãos de apenas uma potência, como os Estados Unidos, também é algo arriscado (guerra do Iraque, por exemplo). Mas poucos discordam a respeito das novas incertezas, sendo que os ataques na cidade indiana de Mumbai são seu mais recente exemplo.
A Ãndia, ao lado da China, tem sido um dos maiores motores de crescimento na economia mundial. Mesmo em tempos de crise global, a economia indiana avança a uma taxa de 7,5% por ano (queda significativa em relação aos 9% que vinha registrando, mas ainda impressionante). Mumbai é hoje um dos maiores centros financeiros do mundo, atraindo empresários e investidores de todos os cantos do planeta. Ao lado de Brasil, Rússia e China, os outros três integrantes do Bric, a Ãndia representa o futuro, uma das novas faces do poder econômico e polÃtico internacional. Mas o que uma ação terrorista como a desta semana, em nove pontos da sua capital financeira, com duração de dias e pelo menos 140 mortos, representa para um mundo em transformação?
Dos quatro paÃses do Bric, apenas Brasil e Ãndia são democracias relativamente consolidadas. Desde a década de 90 os russos escolhem seus lÃderes pelo voto direto, mas anos de Vladimir Putin no comando garantiram o que ele mesmo chama de democracia no estilo russo, em que o poder tem dono, é centralizado e não deverá ser compartilhado tão cedo. Na China, não é preciso nem dizer: o Partido Comunista não pretende abrir o regime num futuro próximo. Essas duas novas potências mundiais não têm os princÃpios ocidentais de democracia como parte de seu DNA. Isso não deve ser visto necessariamente como um problema grave, mas torna o novo cenário global mais difÃcil de ser previsto.
Entre as democracias do Bric, o Brasil tem grandes problemas internos (criminalidade, pobreza, corrupção, infra-estrutura deficiente...), mas suas instituições têm demonstrado significativa maturidade. Nenhum grupo armado pretende derrubar o governo brasileiro, não há conflito gerado por diferenças religiosas, e eleições diretas tornaram-se uma rotina bem organizada. Já na Ãndia, atentados sangrentos têm sido uma constante (um mês antes dos ataques em Mumbai, dezenas de pessoas foram mortas no nordeste do paÃs), e há graves conflitos religiosos. A Ãndia tem um arsenal de armas atômicas e uma relação delicada com um vizinho, o Paquistão, também uma potência nuclear.
Nos últimos anos, a Ãndia vem se integrando à economia global, abrindo suas portas para investimentos. Um acordo nuclear com os Estados Unidos parecia aproximar ainda mais Nova Délhi da polÃtica do Ocidente. Mas, como os atentados em Mumbai sugerem, o crescimento do poder da Ãndia vem com inúmeros riscos. O caderno G2 do jornal britânico The Guardian nesta sexta-feira traz o tÃtulo "O fim do sonho de Mumbai". Dentro, fala sobre os problemas sociais da cidade, em que pobreza e riqueza extremas convivem lado a lado, numa combinação explosiva. Comunidades muçulmanas na Ãndia sentem-se discriminadas, a aproximação do governo com os Estados Unidos gera ódio em alguns grupos locais e regionais, e o vasto paÃs, com 1 bilhão de habitantes, é um alvo fácil para radicais que queiram cruzar suas fronteiras e desestabilizar o status quo polÃtico ou econômico. E nunca é demais repetir: o paÃs tem um arsenal de armas atômicas. Um quadro no mÃnimo preocupante para uma das novas grandes forças deste nosso instável mundo novo.