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Arquivo para novembro 2009

Amigos e inimigos de Lula

Rogério Simões | 10:53, sexta-feira, 27 novembro 2009

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lulaahmadinejad.jpgO presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, finalmente visitou o Brasil nesta semana. Ahmadinejad chegou dizendo, , que Luiz Inácio Lula da Silva era seu "grande amigo". Os discursos e imagens de afeto mútuo entre os dois em Brasília reforçaram tal ideia. Não se trata de amizade nos termos do cidadão comum, claro. Logicamente, a aproximação de líderes nacionais tende a ser definida muito mais pelos interesses políticos. Mas ambos mostraram-se tão à vontade na defesa de posições semelhantes para questões internacionais (necessidade de uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, direito de todo país à energia nuclear pacífica...) que, no meio político, é possível imaginar que Lula e Ahmadinejad sejam realmente hoje "grandes amigos".

Em análises publicadas aqui no exterior sobre Lula, um dos elogios mais comuns sempre foi em relação à sua capacidade de dialogar com líderes das mais diferentes tendências políticas. Lula, dessa forma, foi amigo de George W. Bush e já se tornou grande amigo de Barack Obama. É amigo de Dmitry Medvedev, Hu Jintao e continua sendo amigo dos "inimigos" Hugo Chávez e Álvaro Uribe ou Shimon Peres e Mahmoud Abbas. Mas Lula, com sua crescente influência internacional e a necessidade de o Brasil se posicionar em temas mais delicados, sabe que, mesmo com sua fantástica habilidade nas relações político-pessoais, não é possível ser amigo de todo mundo o tempo todo.

Dessa maneira, Lula já coleciona inimizades. O mais notório "inimigo" do líder brasileiro é Roberto Micheletti, que tomou o governo de Honduras após a deposição do presidente Manuel Zelaya, em junho deste ano. Os dois já bateram boca por meio da imprensa, com Lula referindo-se a Micheletti como "golpista". Lula também acaba de reafirmar que não reconhecerá um governo hondurenho nascido das eleições marcadas para este domingo, dia 29. Como o apoio a Zelaya em Honduras está longe de ser unânime, e o país caminha para uma alternativa política não aceita ainda pelo Brasil, está claro que muita gente em Tegucigalpa não gosta do presidente brasileiro.

Os Estados Unidos pensam de forma diferente de Lula. Para Washington, as eleições hondurenhas são uma solução interessante para uma incômoda crise num país bastante próximo ao território americano, mas de importância estratégia muito modesta. Eleições diretas para a composição de um governo de união nacional é uma saída comumente pregada pelo Departamento de Estado americano para países em crise. Em Honduras não está sendo diferente, e os Estados Unidos deverão legitimar o futuro governo eleito. Isso colocou, segundo relato do jornal espanhol El País, a relação entre Barack Obama e Lula em dificuldades. Para piorar, e voltando ao presidente do Irã: como os Estados Unidos tentam isolá-lo internacionalmente, por causa das ambições nucleares do país dos aiatolás, as fotos de Lula sorridente ao lado de seu amigo Ahmadinejad em Brasília não devem ter caído bem na Casa Branca.

Lula tem sido um mestre nas relações internacionais ao manter um bom diálogo com líderes de todos os tipos, mesmo aqueles que não conversam entre si. Mas o presidente brasileiro, ao se aliar a um lado específico de uma crise política e fazer amizades polêmicas, terá de se acostumar a ter inimigos ou ver amizades esfriarem de vez em quando.

Obama e Israel: o que fazer?

Rogério Simões | 15:06, quinta-feira, 19 novembro 2009

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netanyahu.jpgBarack Obama tem muitos abacaxis para descascar, disso ninguém duvida. O emprego de presidente dos Estados Unidos nunca foi dos mais simples, ainda mais depois de oito conturbados anos de George W. Bush. Eu mesmo disse aqui, um ano atrás, que Obama teria verdadeiros trabalhos de Hércules pela frente. A lista nem incluía o conflito entre israelenses e palestinos/árabes, problema que segue na pauta de todo líder americano desde a criação do Estado judeu, em 1948. Mas Obama decidiu enfrentar o tema logo nos seus primeiros meses de mandato. De um lado, reafirmou o compromisso histórico dos Estados Unidos com a segurança de Israel. De outro, confirmou seu apoio à criação de um Estado palestino e fez o que parecia uma tarefa fácil: exigiu do governo israelense a suspensão da construção de assentamentos judaicos em áreas palestinas ocupadas desde 1967 (Cisjordânia e Jerusalém Oriental).

Israel, entretanto, decidiu dificultar a vida de Obama. Nesta semana, o governo israelense provocou um dos maiores constrangimentos já feitos a um ocupante da Casa Branca pelo tradicional aliado. Depois de vários pedidos públicos do governo americano para que nenhuma nova moradia fosse construída em áreas ocupadas, autoridades israelenses decidiram aprovar o projeto para 900 novas residências no assentamento de Gilo, nas redondezas de Jerusalém, em local tomado por Israel na Guerra dos Seis Dias. O porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, disse que a decisão deixou os Estados Unidos consternados e "dificulta" os esforços pela paz. O próprio Obama disse mais tarde que a medida era perigosa para a região e ruim para a segurança de Israel.

É verdade que o atual premiê israelense, o conservador Binyamin Netanyahu (foto), chegou a poder com a clara determinação de ser duro nas negociações com os palestinos. O primeiro-ministro demorou para sinalizar disposição para sentar com o outro lado do conflito e, agora que admite a possibilidade, diz não aceitar nenhuma pré-condição para o diálogo. Tal posição ignora os apelos da Casa Branca, deixando Obama em situação constrangedora.

Israel é o maior receptor de ajuda americana do mundo, atualmente beneficiado por um acordo assinado por Bush e válido por dez anos, que lhe garante quase US$ 3 bilhões anuais em ajuda militar. O governo isralense sabe que o país não sobrevive sem o apoio financeiro e político de Washington. Mas, caso continue se recusando a atender os pedidos do presidente americano para que suspenda a expansão de assentamentos, será que Israel será punido de alguma forma? O lobby pró-Israel nos Estados Unidos é extremamente forte, e seria difícil para qualquer presidente americano desagradar essa significativa força política interna. Considerando que Obama esteja mesmo sendo sincero na sua pressão sobre o histórico aliado, o que ele pode fazer contra Israel? Netanyahu parece acreditar que nada. Mas o presidente americano, que recebeu o Nobel da Paz sem ainda ter obtido resultados concretos nesse campo, não deverá desistir facilmente.

O Brasil contra a fome

Rogério Simões | 13:25, segunda-feira, 16 novembro 2009

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alimentos.jpgOs elogios à nova condição do Brasil de potência emergente continuam mundo afora. Aqui na Grã-Bretanha, as duas mais importantes publicações econômicas, e , publicaram nos últimos dias reportagens especiais sobre um novo Brasil, que tanto entusiasmo tem gerado no exterior. Politicamente democrático, culturalmente diversificado e tolerante, exportador de matérias-primas e manufaturados, guardião da maior floresta tropical do planeta, pioneiro em energia renovável etc, são vários os aspectos da realidade nacional recebidos com elogios por especialistas estrangeiros. Entre líderes políticos, praticamente todos, das mais diferentes ideologias, de Barack Obama a Hu Jintao, passando por Silvio Berlusconi, Gordon Brown, Shimon Peres e Mahmoud Ahmadinejad, oferecem palavras calorosas e amigáveis ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que simboliza a transformação do Brasil na mais nova força política internacional.

Entre as áreas que mais destaque dão ao novo Brasil, está a do combate à fome, no qual o papel brasileiro foi inclusive recentemente elogiado em um relatório da organização não-governamental Action Aid. Com seu incomparável potencial agrícola, o Brasil é visto como uma peça-chave para a garantia da chamada "segurança alimentar" no mundo. Por isso, a presença de Lula na reunião da FAO (órgão da ONU para alimentação) em Roma ajuda a reforçar a já positiva imagem brasileira. Em discurso diante da esvaziada reunião, Lula afirmou que metade da ajuda dada a instituições financeiras durante a crise econômica global poderia "erradicar a fome no mundo". A ausência de líderes das nações mais ricas no encontro mostrou que o tema perdeu em importância diante de outras questões, como problemas financeiros e o aquecimento global, mas o chefe de Estado brasileiro estava lá, reafirmando as credencias do país num tema em que já é referência.

Entretanto, há dúvidas sobre a verdadeira capacidade de o Brasil fazer a diferença. A elogiosa imprensa estrangeira tem lembrado que o país, por suas próprias falhas, corre o risco de decepcionar no campo da exportação de alimentos. Nesta segunda-feira, o FT diz em reportagem que a falta de investimentos na área de infraestrura pode paralisar os avanços no setor agrícola. não mede palavras ao afirmar: "Assim que as cargas são colocadas nos caminhões, tudo anda devagar". Os investimentos em infraestrutura para a Copa do Mundo e a Olimpíada, diz a revista britânica, não deverão ser "exatamente o que os exportadores do Brasil precisam". A reportagem é ilustrada com uma foto de uma rodovia brasileira esburacada, realidade enfrentada regularmente por motoristas que trafegam pelo território nacional.

Tal lembrança no exterior dos grandes desafios do Brasil no setor de transportes indica que a modernização de portos, ampliação de ferrovias, reformas de estradas e redução da burocracia, necessidades muito bem conhecidas dos brasileiros, passaram a ser aspirações internacionais. O mundo que discute soluções no combate à fome, visando a garantia da segurança alimentar nas próximas décadas, olha para o campo brasileiro com grande expectativa. Em Roma, Lula mostrou-se comprometido em ajudar a manter o tema na agenda política internacional. Aqueles que ouviram seu discurso torcem para que, com urgência, o Brasil derrube os entraves que possam impedir o país de dar sua plena contribuição à oferta de alimentos no planeta.

Crescimento ou escuridão?

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Rogério Simões | 13:25, quinta-feira, 12 novembro 2009

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apagao.jpgO apagão de terça-feira à noite deixou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva preocupado. Não é para menos. O Brasil vive o melhor momento econômico da sua história, com a perspectiva de crescer constantemente pelo menos 5% ao ano por um bom tempo, e está prestes a receber a comunidade internacional para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Segundo , Lula mostrou-se decepcionado com o grau de confiabilidade do sistema de distribuição de energia elétrica no país. O presidente, 33ª pessoa mais poderosa do mundo, segundo a revista Forbes, que já se ofereceu para acabar com a fome no planeta e buscar a paz entre israelenses e palestinos, não conseguiu proteger o povo brasileiro da falta generalizada e repentina de energia elétrica. Isso apesar de suas muitas afirmações de que .

É bem provável que os temores em relação à realização da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016 sejam exagerados. Há muito tempo pela frente, e o Brasil tem condições de reduzir as chances de incidentes como esse ocorrerem novamente. Mas a verdade é que, sem energia elétrica, o país não anda, nem as pessoas vivem. Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro simplesmente não podem parar no meio da noite, e as autoridades sabem muito bem disso.

O desafio do governo, durante e ao final das investigações sobre o apagão 2009, será convencer o eleitorado de que tem a situação sob controle e de que a série de blecautes vista na primeira década deste milênio não se repetirá na próxima. A pré-candidata de Lula à Presidência, Dilma Rousseff, era responsável pelo setor de energia e está à frente do projeto de avanço contínuo da economia, simbolizado pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). E, para crescer de forma sustentada, o Brasil, que já precisa investir muito em infraestrutura, educação e segurança, não pode se perder no meio do caminho, no meio da escuridão.

Fim do caso?

Rogério Simões | 12:30, quarta-feira, 11 novembro 2009

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A reitoria da Uniban decidiu revogar a decisão de expulsar a aluna Geisy Arruda, acusada de provocar tumulto entre colegas ao usar um microvestido e adotar comportamento inapropriado. Com isso, o Ministério da Educação decidiu não mais exigir explicações da universidade sobre o episódio.

Segundo , Geisy terá seguranças para protegê-la em seu retorno às aulas, caso seja necessário. Mas os advogados da estudante pediram abertura de inquérito policial na Delegacia de Defesa da Mulher. Apesar do recuo da Uniban, o caso deve continuar, assim como o debate que gerou sobre direitos humanos e padrões morais no Brasil.

Uniban, Talebã e o Brasil

Rogério Simões | 14:40, segunda-feira, 9 novembro 2009

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afghanwomen.jpgO caso envolvendo a estudante Geisy Arruda tem provocado um grande debate no Brasil. Questões morais, direitos das mulheres, ética educacional etc, vários são os elementos trazidos à tona pelo incidente. Todos os que têm discutido o assunto parecem entender que, em torno do episódio, há muito mais em jogo do que apenas o futuro de uma estudante e a imagem pública de uma universidade particular.

A instituição em questão, , decidiu . Segundo comunicado divulgado ao público em anúncio pago, uma "sindicância consoante com o Regimento Interno" da universidade concluiu que a aluna é culpada de "flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade". O Ministério da Educação , e , da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, criticou duramente a decisão. As explicações contidas no anúncio da Uniban parecem não ter convencido as autoridades do país.

Em questões de moralidade, não há necessariamente certo ou errado. Sociedades desenvolvem-se de formas muito particulares, de forma que algo aceitável na Suécia pode não ser tolerado no México, muito menos na Arábia Saudita. Algo moralmente condenável no Brasil dos anos 40, como a prática do sexo antes do casamento, é hoje um comportamento não apenas natural, mas esperado. A pornografia é proibida em países muçulmanos, mas na maior parte do mundo ocidental, se produzida com e para adultos (a partir de 18 anos), trata-se de um produto como outro qualquer, de veiculação restrita, mas aceito e livremente consumido. O aborto voluntário, ainda proibido no Brasil fora casos de estupro e risco à vida da mãe, é um direito legal em nações como Grã-Bretanha, França ou Estados Unidos. Na Nicarágua, uma mulher grávida em decorrência de um estupro pode ir para a cadeia se optar pela interrupção da gestação.

No Afeganistão (foto acima), as mulheres são alvo de tradições e leis que estão entre as mais conservadoras do mundo. Nos tempos do regime do Talebã, nos anos 90, mulheres violentadas poderiam ser apedrejadas até a morte por terem, mesmo que involuntariamente, mantido relações sexuais fora do casamento. Nesse mundo do Talebã, Geisy Arruda não teria direito nem mesmo à educação. No Irã, ela poderia ir livremente à faculdade, desde que de corpo e cabeça cobertos. Já na maior parte do mundo ocidental, um vestido exageradamente curto de uma aluna seria recebido apenas com olhares (interessados ou indignados), comentários (elogiosos ou negativos), reclamações formais aos responsáveis pelo recinto ou puro desinteresse.

Cada sociedade escolhe seu grau de abertura moral e as formas como pretende punir desvios de conduta. O Brasil, por suas características históricas, é um verdadeiro caldeirão cultural, com grande variação de pensamentos, dos mais liberais aos mais conservadores. A legislação e o próprio bom senso, que incorporaram mudanças sociais como o divórcio, sempre tentaram encontrar um denominador comum que reflita o que o país pensa e tolera. O incidente envolvendo Geisy Arruda, a Uniban e estudantes engajados no linchamento moral de uma colega (para a universidade, uma "defesa do ambiente escolar"), pode ser um bom momento para a sociedade brasileira mostrar do que mais se aproxima: dos ideais ocidentais de tolerância ou do radicalismo do Talebã.

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